Nenhum rol de desafios é exaustivo.
A ideia do presente texto é apresentar breves reflexões acerca dos desafios enfrentados por aqueles que escolheram ou estão se preparando nas faculdades para a carreira jurídica. Entretanto, logicamente, seria impossível o exaurimento do tema, pois os desafios e os obstáculos da vida profissional, e da vida como um todo, se renovam diariamente, em especial na era da sociedade líquida, lembrando o termo cunhado pelo sociólogo Zygmunt Bauman.
Assim, opta-se pela escolha pontual de três situações de maior amplitude que, inequivocamente, representam desafios para o jovem profissional do direito, mas que, se superados, serão de grande valia para uma carreira de sucesso. A lista é formulada sobre as reflexões da primeira década profissional deste escritor, ocorrida no ano de 2020, tanto na atividade advocatícia, como no exercício do ensino superior jurídico.
O desafio da relação expectativa versus realidade.
Sem dúvida o primeiro grande desafio para o jovem profissional jurídico é o encontro com a realidade e o quanto ela se difere da expectativa criada ao longo da faculdade pelo estudante e pela sua família, na maioria das vezes. É algo que assemelha ao conhecido encontro das águas do rio Amazonas com o Rio Negro, onde de um lado está o conhecimento adquirido e no outro todas as necessidades práticas da vida profissional jurídica.
Exemplo claro disso é a presunção que muitas vezes toma conta dos jovens profissionais de que os frutos dourados estão no início do caminho, e que o resultado dos anos de estudo aparecerá de forma imediata. Nesse momento em que o jovem profissional tem contato com a necessidade de ter clientes, competição, obrigações para manter a si, família ou sua atividade, é que aquelas expectativas se mostram exageradas.
De fato, a rotina de faculdade, estágio e casa é subitamente alterada para trabalho e resultados profissionais. Num dia a preocupação é apenas entregar o trabalho de conclusão do curso, no outro aprender sobre tokens, sistemas de automação e captação de clientes. Para quem escolhe concursos, o dilema não é tão diferente, uma vez que a cobrança por aprovações também passa a ser uma realidade para o profissional já formado.
Não são fáceis os primeiros anos profissionais. Há poucas certezas, muitas dúvidas, o medo de não conseguir se enquadrar no mercado de trabalho por achar que não aprendeu o suficiente. São vários os pensamentos que assustam o novo jurista e que o desafiam a continuar, mesmo com medo e receio.
É preciso coragem neste ponto. Até porque, as lições tiradas desse desafio são a perseverança e a resiliência, valores fundamentais para a formação da melhor experiência. Na verdade, defende-se aqui a percepção de que, nesses anos iniciais, o verdadeiro sucesso é a aprendizagem em cada experiência vivida. É continuar mesmo quando o resultado obtido foi aquém do imaginado, quando a audiência não saiu como o previsto, quando o contrato não foi fechado por inimagináveis motivos justos ou não.
Cada experiência é uma oportunidade de melhorar, de se tornar mais próximo do profissional imaginado no início da caminhada acadêmica. O caminho profissional não é uma estrada reta ou perfeita, mas com curvas azulejadas pelo constante movimento que nos impulsiona para os nossos sonhos e objetivos. Essa construção mostrará o lugar profissional onde o desempenho é melhor, onde o profissional exerce com excelência o seu papel na resolução dos conflitos.
Pouco a pouco acaba-se por perceber que as maças douradas não estão nos galhos mais baixos, que não são dadas, mas conquistadas com muito esforço e dedicação. É justamente aqui que se localiza a satisfação da superação desse obstáculo: o sabor da conquista. O sucesso quando resultante de tentativas e fracassos – muitos fracassos por vezes – é mais engrandecedor, uma vez que traz a aprendizagem embutida na alegria e no combate.
Pode-se extrair como exemplo a clássica frase de Thomas Edison, que depois de tentar mais de mil protótipos da lâmpada elétrica para chegar no seu primeiro modelo, dizia que as “tentativas não haviam sido falhas e sim descobertas de fazer uma lâmpada de mil maneiras diferentes”. Então, persevere no caminho e aprenda com cada passo, mesmo que falhe mil vezes.
O desafio da comunicação como ferramenta de desenvolvimento profissional.
Imagine-se qual o tipo de comunicação é possível manter ao conversar com “alguém” e acompanhar conversas paralelas nos aparelhos celulares. Tanto as informações trocadas pessoalmente como aqueles trocadas por aplicativos ficam prejudicadas, pois em momento algum houve a devida atenção e percepção no diálogo. Imagine-se, agora, que esse “alguém” é o cliente, o colega de equipe, ou o chefe. Por óbvio, a qualidade dos resultados dessas interações cairá, e, consequentemente, a satisfação e o valor profissional também se apequenarão.
O foco no aprimoramento comunicativo é bastante abordado na técnica de mediação chamada “escuta ativa” e que pode ser aplicada como ferramenta interpessoal do profissional do direito a fim de tornar a relação com clientes, colegas de trabalho etc. mais sólida e eficiente. Atitudes como dar a atenção adequada para cada situação, fazem enorme diferença no estabelecimento de forte conexão com o interlocutor.
Obviamente, manter o foco nas atividades que estão sendo realizadas é um desafio da vida pós-moderna, que se notabiliza justamente pela excessiva quantidade de meios de informação a que nos expomos diariamente. Isso, do ponto de vista prático e econômico, estabelece um verdadeiro paradoxo entre a quantidade das nossas interações pessoais e profissionais e a qualidade delas.
É preciso dedicar tempo e atenção na comunicação para a construção de relações profissionais fortes. Estabelecida a conexão, ela gera imediata confiança, uma vez que o interlocutor (o cliente, por exemplo) será afetado pelo atendimento e empatia do ouvinte. O trabalho em equipe torna-se mais produtivo com o sincero compartilhamento das qualidades e deficiências entre os membros da equipe. Afinal cooperar impõe harmonização, equilíbrio entre as competências de cada indivíduo, sem o qual o resultado coletivo fica seriamente comprometido.
Não se olvide que o direito se insere no ramo das ciências humanas aplicadas, ou seja, o seu objeto de trabalho é o ser humano e as suas relações, especificamente as relações de conflito; e o conflito é o ganha-pão do profissional do direito. Resolver e prevenir conflitos é o metier de todas as carreiras possíveis a partir do curso de direito, do assessor ao oficial de polícia.
Esta concepção é particularmente importante quando se discute o espaço que será ocupado pelo advento da inteligência artificial na advocacia. Uma inteligência artificial ajudará bastante nas atividades em que a rotina procedimental é mais importante. Mas nos conflitos em que o fator humano é individualizador da demanda, a intervenção de profissionais hábeis em comunicação será crucial para a efetivação da justiça.
O desafio de aprender, desaprender e reaprender.
Alvin Toffer, famoso escritor estadunidense falecido em 2016 escreveu, ainda no século passado, que “o analfabeto do século XXI não será aquele que não consegue ler e escrever, mas aquele que não consegue aprender, desaprender e reaprender”. A vida atual exige a aprendizagem contínua, pois ferramentas novas (profissionais, de comunicação e várias outras) surgem diariamente.
Na rotina da sociedade atual a mudança é a única coisa constante. Os valores que aprendemos no passado são desafiados no presente e aquilo que conceituamos exaustivamente agora será insuficiente amanhã. A advocacia que se praticava de forma secular, deu lugar ao bravo mundo novo de novidades tecnológicas diárias. Não à toa que muitos profissionais mais experientes sentem a grande dificuldade de acompanhar as novidades tecnológicas.
Este aspecto parece ser mais auspicioso para as gerações mais novas. De certa forma, o é realmente. Afinal para aqueles que já nasceram após a massificação dos computadores domésticos, esta linguagem tecnológica soa mais fácil. Mas não se trata apenas disso, do aspecto tecnológico. A sociedade atual sente a necessidade de ter resolvido de forma satisfatória e eficaz os seus conflitos e isso exige do profissional do direito um arcabouço de funcionalidades e habilidades que antes eram relegadas à menor importância.
Tenha-se a empatia, por exemplo. Para a construção de uma relação sólida com o cliente, o advogado deve desenvolver sua percepção empática, sob pena de não ter a confiança dele. Ora, alguém confiaria em pagar honorários para quem não parece se importar realmente com o problema apresentado?
Não se está aqui defendendo que o profissional tome para si o problema da parte, não se trata disso. Empatia, como definido nos dicionários, “é a capacidade de se identificar com outra pessoa, de sentir o que ela sente e de querer o que ela quer”. Ela pressupõe o esforço na compreensão das razões pelas quais aquele conflito surgiu e se apresentou, bem como, sem preconceitos, deve ser analisado em conformidade com a Lei e a Justiça.
A vida profissional desafia diariamente o jurista, e para os jovens em suas tenras carreiras, é de grande valor não se apegar ao conhecimento passado, mas sempre usá-lo para absorver o novo conhecimento. Observar e absorver são duas atitudes engrandecedoras e que podem pavimentar uma trilha repleta de boas experiências e bons frutos.
Conclusão.
Como dito alhures, o objetivo era trazer breves reflexões sobre três desafios próprios dos primeiros anos da atividade jurídica: o desafio de adaptação, da comunicação e da constante reaprendizagem. São vários os demais desafios, mas estes três certamente contemplam a base para uma experiência viva da vida profissional jurídica.
Estas habilidades não se esgotam nos primeiros anos, se tornando companheiras em toda a caminhada. Superá-las, incorporando a gratificante aprendizagem que delas decorrem, ajudará nas escolhas e nos dilemas da carreira, embora não garantam nenhuma segurança. Quiçá seja este outro desafio, para outra oportunidade, saber que não há garantias na vida profissional e na vida como um todo, e que tudo depende das experiências vivias e das respectivas aprendizagens na superação dos obstáculos.