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Foto do escritorMariama Brito

Postura ativa de autoconhecimento do advogado e a sua viabilização através da CNV

Atualizado: 6 de jul. de 2022

Não sabemos o que o futuro nos reserva, mas sabemos que a adaptação às inovações sociais e ambientais é um imperativo para nossa evolução como profissionais.


Para o bom exercício da advocacia é necessário estudar, estudar muito para se destacar no mercado e para atuar bem perante os tribunais. Para além do estudo também é muito importante que o advogado se dedique ao seu desenvolvimento pessoal.


Laborar com questões jurídicas, com a matérias de direito, com as partes e com os prazos pode levar o profissional a uma estafa emocional, caso ele não dedique algum tempo em prol de sua saúde ou para aprender mais sobre suas emoções e sentimentos.


Em matéria veiculada pelo Jornal Correio da Bahia¹ estima-se que um terço dos advogados desistem da carreira em virtude de transtornos mentais. Vale dizer, este não é um problema exclusivo dos operadores do direito, em 2018 foi a terceira maior causa de afastamento por doença entre servidores e magistrados².


Desta forma, é possível verificar como o autoconhecimento é indispensável ao pleno desenvolvimento humano saudável uma vez que é caminho para reverter muitos quadros de transtornos mentais.


Entretanto, não é recomendado que aguardemos que um transtorno mental efetivamente se instale em nossa psique. O ideal é que tenhamos uma postura proativa e autorresponsável diante dos acontecimentos em nossas vidas pessoais e profissionais.


Nesse sentido, a CNV (Comunicação Não-Violenta) se apresenta como uma ferramenta muito útil e eficaz. Ocorre que, para a sua aplicabilidade existe um pressuposto básico, um pressuposto que leva os indivíduos e toda sociedade a adoecer, a violência!


É imprescindível efetuarmos uma mudança na qualidade de nossas atitudes. Normalmente tememos reconhecer a nossa violência porque somos ignorantes a respeito dela. De alguma forma, existe uma presunção de que não somos violentos pois nossa visão de violência é aquela de baseadas em lesões físicas. Assim, só iremos compreender melhor a não-violência reconhecendo a violência que existe no mundo a partir de um olhar observador e neutro sobre nós mesmos.


Precisamos diariamente avaliar e distinguir as violências que praticamos, identificando as violências físicas, aquelas em que empregamos a força física, e as violências passivas, que são aquelas que geram sofrimento emocional. Esta última espécie de violência gera raiva na vítima, que, como indivíduo ou membro de um sistema, familiar ou organizacional, responde violentamente, ou seja, é a violência passiva que alimenta a fornalha da violência física gerando dores e transtornos emocionais.


Segundo o criador da CNV, o psicólogo americano Marshall Rosemberg³, a não-violência significa permitirmos que venha à tona aquilo que existe de positivo em nós e que sejamos dominados pelo amor respeito compreensão gratidão compaixão e preocupação com os outros em vez de sermos conduzidos pelas atitudes egocêntricas e egoístas, gananciosas, odientas, preconceituosas, suspeitosas e agressivas que costumam dominar nosso pensamento, e ele ainda afirma que o mundo em que vivemos é aquilo que fazemos dele.


Com a comunicação não violenta aprendemos a observar de forma neutra e a sermos capazes de identificar os comportamentos e as condições que estão nos afetando; também nos tornamos capazes de articular claramente o que de fato desejamos nas diversas situações cotidianas.


À medida que vamos aplicando a comunicação não violenta substituímos os velhos padrões de defesa, introspecção e ataque diante de julgamentos e críticas, vamos percebendo a nós e aos outros, assim como nossas intenções e relacionamentos, por um enfoque novo.


A CNV se dá em um processo que compreende 2 partes: a primeira, expressar-se honestamente por meio dos 4 componentes e a segunda é receber com empatia por meio dos 4 componentes.


O primeiro componente é a observação neutra dos fatos.


Defendo tranquilamente que para muitos de nós é um desafio fazer observações isentas de julgamento, críticas ou outras formas de análise sobre pessoas e seus comportamentos.


Na perspectiva das neurociências o julgamento é como uma régua interna que temos para medir e avaliar as coisas do mundo. O julgamento é um processo cognitivo que te ajuda a estimar e a atribuir valores e definições para as coisas que existem no mundo.


Nossos antepassados necessitavam desse processo cognitivo para lhes garantir a sobrevivência e a reprodução da espécie com o menor gasto de energia possível, assim ele precisava saber os locais que poderia transitar, julgando-os perigosos ou não, e assim por diante.


Acontece que essa faculdade cognitiva, herdada através da evolução da espécie humana sofreu distorções perigosas, exemplo disso foi a escravização de humanos e o holocausto. Julgaram aqueles que deveriam ser considerados humanos a partir de uma régua interna muito estreita sem bases científicas consolidadas.


A melhor maneira de melhorar a nossa régua interna é o conhecimento, é estudando, é atualizando informações e conhecimentos buscando mais sabedoria.


Tem julgamentos de coisas que dá para medir, pois existe um referencial externo para se comparar, por exemplo, se você julga os homens mais inteligentes que as mulheres, este julgamento está errado de acordo com estudos científicos consolidados.


Tem coisas que não dá para medir com uma régua externa como o exemplo anterior. Neste caso estamos falando de valor, o valor que algo produz em nós o juízo de valor. Esse valor é afetivo, ou seja, diz respeito a emoções e sentimentos, por isso é difícil dizer que um julgamento nessa perspectiva está certo ou errado absolutamente. Nesse caso o julgamento é estritamente subjetivo e individual. O julgamento é a respeito de um estado interno do ser humano, do prazer, da preferência.


O segundo componente da CNV é a identificação de sentimentos e sensações.

Para começar a falar sobre isso, primeiro precisamos entender a diferença entre emoções e sentimentos.


A palavra emoção deriva do latim e-movere, que significa movimento, mover para fora. Desta forma podemos conceituar emoções como processos neurobiológicos que se consolidam em nosso sistema nervoso central com o objetivo primário de gerar comportamentos convenientes a uma situação que exige resposta imediata, ou seja uma emoção é um programa de ação do nosso cérebro, ela prepara o nosso corpo de uma maneira biologicamente vantajosa, para nossa sobrevivência.


Leva menos de meio segundo para nosso sistema nervoso disparar um programa emocional. A emoção é um conjunto de ações orquestradas pelo cérebro que, com um diálogo com o restante do corpo, produz uma série de alterações que faz com que seu corpo se torne propenso a agir de maneira biologicamente vantajosa.


Como é possível inferir, as emoções são automáticas, não existe controle volitivo das emoções, isso significa que não temos controle sobre elas, as emoções são vantajosas pois são automáticas.


Existem quatro emoções comuns a todas as teorias sobre emoções básicas, são elas o medo, a raiva, a tristeza e a alegria. Todas as emoções são boas e biologicamente vantajosas, como já falamos, cada uma tem sua função e uma explicação evolutiva.


A emoção é também um processo inconsciente.


Quando você toma consciência de uma emoção adentramos a esfera de um outro processo. Quando você sente a emoção e a nomina é que surge o sentimento. O sentimento é a emoção experimentada de maneira consciente, ou seja, o sentimento é a percepção consciente de um processo emocional. Daí a sua importância.


É importante desenvolver habilidade para reconhecer as suas próprias emoções e sentimentos como também as emoções e sentimentos dos outros sob pena de sermos escravos das emoções e incapazes de dar nome ao que estamos sentindo.

O terceiro componente da CNV é a formulação de necessidades.


Julgamentos, críticas, diagnósticos e interpretações dos outros constituem expressões alienadas de nossas necessidades e é provável que nos escutem como críticos. Efetivamente, quando as pessoas ouvem qualquer coisa que soe como crítica, elas naturalmente tendem a investir sua energia na autodefesa ou no contra-ataque.


Lamentavelmente a maioria de nós nunca foi ensinada a pensar em termos de necessidade. Estamos acostumados a pensar no que há de errado com as outras pessoas sempre que nossas necessidades não são satisfeitas.


Para obter um grau profundo de conexão consigo e com as pessoas com as quais nos relacionamos é salutar questiona-se sobre as próprias necessidades, “do que eu preciso”, bem como sobre a necessidade do outro, “do que o outro precisa ou necessita?”.


Uma vez conscientes de nossas necessidades e/ou da necessidade dos outros é possível se perguntar nas interações sociais o que gostaríamos de pedir a outra pessoa que atenderia a minha necessidade ou o que a outra pessoa gostaria de pedir em relação a necessidade dela?


Empregar essas perguntas funciona, pois, a partir do momento em que conversamos sobre o que precisamos, em vez de falarmos do que está errado com os outros, amplia a possibilidade de encontrarmos maneiras criativas de atender às necessidades de todos.


O último, mas não menos importante, componente da CNV é o pedido.


Ao nos darmos conta que nossas necessidades não estão sendo atendidas, depois de nos expressarmos com compaixão informando o que estamos observando, sentindo e precisamos, então fazemos um pedido específico: pedimos que sejam feitas ações determinadas e objetivas que possam satisfazer nossas necessidades. Nós podemos expressar nossos pedidos de modo que os outros estejam mais dispostos a responder compassivamente às nossas necessidades da seguinte forma: em primeiro lugar, importante expressar o que estamos pedindo, o que queremos objetivamente, não o que não queremos ou que não pedimos.


Pedidos formulados de forma negativa apresentam dois possíveis problemas: confundimos as pessoas, elas não conseguem entender exatamente o que está sendo pedido e naturalmente solicitações negativas provocam resistência.


Dizem que nosso cérebro não compreende o não, mas não é exatamente assim. Quando dizemos o que não queremos que uma pessoa faça não estamos expressando o que queremos, isso dá margem a todo tipo de interpretação e mal-entendidos.


Relevante destacar também que, a utilização de linguagem vaga, muito generalista, mascara um jogo interpessoal de opressão. Ao perceber que a pessoa não é clara sobre o que quer, o nosso cérebro fica buscando informações para poder compreender onde a pessoa quer chegar, gerando o maior estresse em nosso sistema nervoso pois nosso cérebro detesta incertezas.


Conclusão.


A CNV nos orienta ao nosso local de fala, qual seja, apenas podemos falar com propriedade sobre nós mesmo e, para que isso ocorra, pressupõe que nos conectemos com o que há de mais profundo em nós, nossas emoções, nossos sentimentos e nossas necessidades.


A mágica da CNV ocorre quando nos tornamos capazes de desenvolver uma comunicação interna baseada na não-violência, na compaixão. O ambiente estressante e exaustivo que os advogados vivem, muitas vezes não propiciam esse tipo de autocomunicação. Há eventualmente uma voz interna em nossas cabeças nos cobrando, nos cobrando performance, nos cobrando resultados, nos cobrando posturas, nos cobrando atividade, nos cobrando mais estudo, nos cobrando prazos, enfim, é uma comunicação bastante violenta que nos leva ao adoecimento.


Vale dizer, aquilo que ainda não conquistamos, a mudança que ainda não operamos ou as dificuldades que enfrentamos se dão em virtude de falta de conhecimento e, na maior parte das situações, falta conhecimento sobre nós mesmos.


Desta forma, cabe aos profissionais operadores do Direito adotar uma postura ativa, tomar a iniciativa de desenvolver habilidades relacionais e aprender novas ferramentas para seu próprio amadurecimento emocional e, como vimos, a Comunicação Não-Violenta pode ser um recurso utilizado.

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