Estratégia é, talvez, a palavra que melhor representa o jogo de xadrez. Por isso, sua relação com o processo judicial e com a advocacia é tão pertinente.
A definição de uma estratégia para o posicionamento de mercado, a escolha das áreas de atuação, a construção do perfil profissional, o estabelecimento de relações sociais, institucionais e negociais são elementos imprescindíveis e que devem se interrelacionar para o contínuo aperfeiçoamento do advogado.
Mapeados tais pontos, passo a me ater à condução de uma demanda em si, que se inicia com o atendimento ao cliente. Nesse momento, o contato direto do profissional com a parte interessada é fundamental pois é ele, sim, o primeiro juiz da causa.
Ao ouvir o relato dos fatos, faz-se necessária a coleta de todas as informações relevantes – e até aquelas tidas por irrelevantes pelo constituinte – para a análise do que será pertinente ao caso posto. A partir daí, devem ser verificados os documentos e avaliadas as provas que comprovam, ou pelo menos demonstram de forma circunstancial, os fatos alegados.
Ato contínuo, inicia-se o grande trabalho do advogado: a criação e desenvolvimento da estratégia processual que será adotada. Esse mister tem início com o aceite da demanda, quando resta vislumbrado o direito vindicado, passa pela opção pela tentativa de composição adequada do conflito, pela definição da ação judicial a ser proposta, pela forma de apresentação dos fatos, pelo estabelecimento de quais pedidos serão formulados e pelos documentos que serão acostados.
Esse momento é crucial, pois é o que dá o start em tudo o que virá a seguir. Considerando, ainda, que uma falha neste ponto poderia vir a comprometer a procedência do intento, é muito pouco provável que a parte adversa concorde com uma modificação dos termos da petição inicial, razão pela qual a atenção deve ser redobrada.
Assim, são fundamentais o zelo e o cuidado para a elaboração da petição inicial, bem como a verificação dos documentos para o protocolo da ação. Não deve existir pressa neste momento, sendo salutar, se possível, a submissão do caso para uma terceira pessoa revisar a petição e discutir a estratégia adotada. Por dever de transparência, também se mostra recomendável a apresentação desse iter procedimental escolhido ao cliente, visto que, ao fim e ao cabo, é quem virá a suportar os louros da vitória ou os prejuízos de um eventual revés.
Questões como escolha de qual juízo propor a demanda, em face de quem, quais as teses principais a serem ventiladas, o que vai ser pedido, o seu valor, ou eventual divisão dos pedidos em mais de uma ação são exemplos das escolhas que devem ser realizadas pelo advogado em conjunto com seu constituinte.
Demais disso, o patrono não se pode descurar de deixar todos os riscos da demanda claros ao cliente, para que ele não seja surpreendido com encargos que não tinha conhecimento, como custas, honorários periciais e sucumbenciais, ou mesmo por consequências decorrentes da adoção de determinado argumento, como o julgamento desfavorável e até condenação em litigância de má-fé, ou ato atentatório à dignidade da justiça.
Diga-se, em paralelo, que acerca da gestão processual, não pode o advogado deixar de se valer de mecanismos para acompanhamento do processo, com rigoroso controle de documentos, prazos e publicações, e sempre manter documentada toda a tratativa com o cliente relativa ao caso.
Iniciado o processo, um advogado preparado deve conhecer a demanda como um todo, os fatos e provas que possui, assim como aquelas que pretenderá produzir. Deve, necessariamente, realizar a análise precisa da distribuição do ônus da prova, a fim de pautar a condução da instrução no que lhe compete. Deste modo, será possível estabelecer as provas imprescindíveis, as desnecessárias e aquelas que competem à parte adversa, otimizando a marcha do processo, dispensando o empreendimento de diligências ou pedidos desnecessários.
Por mais comezinho que possa parecer, não raras vezes nos deparamos com advogados pretendendo produzir provas adicionais relacionadas a fatos já incontroversos nos autos. De igual forma, a leitura equivocada do que se tem provado nos autos pode inviabilizar uma composição, ao passo que o revés da hipótese proporciona às partes uma chance maior de transacionar, uma vez que dispostas as cartas na mesa, um bom advogado tem a capacidade de fazer a leitura da instrução, projetar o resultado da sentença e, assim, melhor orientar o seu cliente em busca de minorar os riscos e prejuízos de um xeque-mate.
A audiência de instrução e julgamento também é um dos pontos nodais de um processo judicial, visto que é onde são produzidas as provas orais, tanto pelo depoimento das partes quanto pela oitiva das testemunhas. Nesse particular, importante esclarecer que além de não ser possível ao advogado requerer o depoimento da parte que representa, isso em nada lhe ajuda. Ao contrário. Deve-se ter em mente que o depoimento das partes tem por objetivo principal a obtenção de confissão. Deve, ainda, atentar-se que a narrativa dos fatos pelo requerente já foi realizada na petição inicial, assim como a do requerido o foi na peça de defesa. O depoimento da parte autora não prova os fatos por aí alegados, assim como o do réu não prova o que arguiu em sua contestação. Tal requerimento - de oitiva do próprio cliente - somente revela uma total falta de conhecimento processual pelo advogado que o faz.
A versão dos fatos com todos os detalhes necessários à compreensão do caso já foi (ou pelo menos deveria ter sido) cuidadosamente relatada na petição inicial. Se o autor prestar depoimento declarando informações adicionais que lhe favorecem, estes serão desconsiderados uma vez que o juiz está adstrito ao expendido na inicial. Se a parte fala exatamente o que constou na exordial, em nada lhe ajuda igualmente, posto que o seu depoimento não tem valor de prova. Por fim, se a parte revela minúcias não relatadas na petição inicial que lhe prejudicam, essas serão consideradas como confissão e usadas em seu prejuízo. Então, o melhor dos cenários para o patrono e para a marcha processual, sem dúvidas, é a dispensa do depoimento do seu cliente, posto que não correrá o risco de produzir uma contradição prejudicial na narrativa já existente nos autos.
De seu turno, diante dessa perspectiva, sempre será interessante a oitiva da parte adversa a fim de obter confissão, especialmente quando o feito envolver questões fáticas, o sendo completamente dispensável a contrario sensu.
A formulação de perguntas deve ser previamente planejada, buscando alcançar o cerne das questões controvertidas a partir de pontos circunstanciais, mantendo sempre que possível um equilíbrio entre a hora de atacar e recuar. Iniciar os questionamentos com perguntas simples e óbvias, pode deixar o depoente mais confortável e mais seguro. Por vezes, é uma estratégia interessante se valer de um gambito, jogada de xadrez consistente em sacrificar uma peça para obtenção de uma vantagem posterior. Isso pode se dar com a realização de perguntas iniciais cujas respostas lhe seriam desfavoráveis, seguidas de novas perguntas, capiciosas, que vinculariam o depoente ao que já foi dito, revelando a verdade que tentava disfarçar ou, de uma maneira geral, com a desistência da oitiva de uma testemunha cujo depoimento pode colocar em risco a situação desenhada até o momento.
Ainda no que toca às testemunhas, é importante consignar a importância de que o advogado tenha conhecimento também do que cada testemunha pode provar. Tem pouco - ou nenhum - valor probante o testemunho indireto, apesar de que por vezes é um dos únicos elementos que se tem à disposição para influenciar o convencimento do juízo, mesmo que completamente circunstancial. Registre-se, outrossim, que a exploração de minúcias é sempre uma boa tática, posto que pode embasar o confronto com outros depoimentos ou documentos, colocando em xeque todo um depoimento em razão da evidenciação de uma contradição.
Todos os pontos acima mencionados, além de um processo bem organizado, coerente, com pleitos bem formulados e estruturados, com a realização de pedidos e questionamentos assertivos, somados à educação e cordialidade, pendem em favor do patrono e seu cliente quando da análise do magistrado, que por vezes, com movimentos pendulares alternados, pressiona uma e outra parte a fim de obter a verdade real.
Nesse espeque, são atributos fundamentais ao causídico a percepção e sensibilidade de pensar duas ou três jogadas adiante, fazendo a leitura da inclinação do entendimento do juízo acerca da questão que lhe foi submetida, buscando trazer-lhe para seu lado. De igual maneira, é necessário saber a hora de recuar para guardar sua posição, entendendo a impertinência da realização de mais perguntas, quando já restou efetivamente provado determinado fato, ou até mesmo a oitiva de testemunhas que nada acrescentarão, e, na contramão, podem voltar a controverter ponto que já se encontrava assentado. Diga-se, contudo, que não se trata de sempre recuar ou marcar posição. Deve o advogado, de forma educada e polida, ser firme quando verificar que as regras do jogo não estão sendo seguidas, não admitindo imposições açodadas apenas para não contrariar o juízo.
Há de se obtemperar, ainda, que a responsabilidade moral da argumentação é condição também verificada por todos os demais atores do processo. Se é certo que em centros menores é inviável a atuação do profissional em um nicho exclusivo, também se sabe que essa particularidade pode importar na atuação em posições contrapostas. Nestes casos, não há qualquer vedação ao patrono que atua, por exemplo, em favor de um reclamante da construção civil em um processo, e em favor de uma empresa de construção civil reclamada em outro processo. Deve, contudo, manter um posicionamento uniforme e coerente, para não realizar uma postulação em um feito e sustentar o seu não cabimento em outro.
São tantos os detalhes envolvidos em um processo judicial que ignorá-los é confiar totalmente à álea o bem da vida que lhe foi confiado pelo cliente. De qualquer sorte, por certo o desenvolvimento das estratégias necessárias não importa necessariamente na procedência do pedido, mas, sem dúvidas, potencializa as suas chances.
Já em linhas pretéritas, observa-se, lateralmente, um descompromisso infelizmente considerado como natural de advogados que atuam como correspondentes, os quais têm sua atuação controlada por escritórios de outros estados em favor de grandes empresas. Sem qualquer demérito aos profissionais que se sujeitam a tal tipo de parceria, é importante relembrar que, ainda que o processo seja conduzido primariamente por outro profissional, o advogado participante da audiência é legítimo patrono constituído e é seu dever conhecer o processo e aplicar as regras da maneira mais produtiva ao seu constituinte, e, ainda, que sua atuação está sendo monitorada e avaliada por todos os partícipes do processo, se apresentando contraproducente para sua própria carreira uma atuação processual descuidada.
É como se diz, mutatis mutandis, se você não tem uma estratégia para sua carreira, ou mesmo para os processos que atua, não se preocupe pois certamente você já faz parte da estratégia de outro enxadrista.
André Ferreira Marques é advogado, mestre em Direito e secretário-geral da OAB/AC.
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