Tomou grande repercussão o caso de uma reclamante que foi condenada em litigância de má-fé após postar um vídeo em uma rede social com a frase “eu e minhas amigas indo processar a empresa tóxica”.
Trata-se de uma reclamação trabalhista que era postulado o reconhecimento de vínculo empregatício anterior à anotação de admissão realizada na CTPS, indenização por danos morais em razão desse período clandestino e indenização por danos morais em razão de um suposto tratamento humilhante no ambiente de trabalho.
Durante a instrução processual foram ouvidas duas testemunhas pela parte reclamante. Ocorre que chegou ao conhecimento do magistrado, após a audiência de instrução, a publicação do vídeo postado pela reclamante e suas testemunhas, o que importou na reconsideração de ofício da valoração das testemunhas.
Na sentença, o juiz de primeiro grau considerou, ainda, além da falta de respeito com o Poder Judiciário e com os advogados, ter havido um conluio entre as referidas pessoas a ponto de atentar contra a dignidade da justiça e justificar a aplicação de multa a ser revertida em prol do Fundo de Amparo ao Trabalhador. Nesse particular, a sentença de primeiro grau foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, em São Paulo.
Essa postagem materializa uma necessária reflexão que deve ser observada por todos os litigantes em processos judiciais: a atual exposição quase visceral que a maioria das pessoas nutre em seus perfis de redes sociais, de aspectos íntimos, por vezes sociais, financeiros, profissionais, domésticos, familiares, psicológicos ou físicos, na maioria das vezes bem distantes da realidade, que finda por criar um alter ego projetado exclusivamente no metaverso, tem causado severas repercussões negativas nos processos judiciais.
O mais curioso é que as pessoas acabam por se inserir em uma espécie de sistema prisional panóptico, semelhante àquele idealizado pelo filósofo Benjamin Bentham, que consistia em uma torre central, de onde o observador poderia ver tudo o que acontecia através de uma construção circular, sem ser visto, criando assim uma barreira psicológica no indivíduo que está sendo observado. A grande diferença é que hoje são as pessoas abrem mão voluntariamente da sua privacidade, como acontece ilustrativamente no reality show Big Brother Brasil.
E pior. Em muitos casos o indivíduo cria uma falsa realidade projetada de acordo com o que quer expor no mundo virtual. Esse simulacro é o que se tenta demonstrar ser à sociedade, sendo criadas duas hipóteses bem próximas:
i) Será tida como verdade uma situação que não é necessariamente verdade; ou
ii) Será ampliada / superestimada uma situação;
Exemplo 1: postagem do tik tok das “amigas” indo processar a empresa “tóxica” / sugere a existência de uma amizade e um conluio para obter vantagem da empresa;
Quando, pode ser que na verdade, as pessoas nem são tão próximas assim, e eram realmente expostas a um ambiente humilhante mesmo, mas, apenas tiveram uma ideia bo(b)a de fazer um vídeo engraçado para internet.
Exemplo 2: postagem de festas, ostentação, restaurantes caros, viagens / demonstração de alto poder aquisitivo;
Quando, na verdade, o pai recém divorciado estava frustrado com o poder aquisitivo maior da mãe do seu filho, e queria tentar demonstrar que estava “bem de vida”, fazendo as postagens. Mas ele saía de casa, tomava uma cerveja, tirava foto e voltava. A foto postada, bem, era tbt.
A presente temática pode seguir infinitas ramificações, motivo pelo qual a opção adotada foi aquela indicada no título e subtítulo, acerca das repercussões negativas de postagens indevidas realizadas em redes sociais nos processos judiciais.
Em um processo judicial, as partes possuem ampla possibilidade probatória. Apresentam suas versões dos fatos, anexam documentos, escutam testemunhas, e, ao final, o magistrado, um terceiro imparcial vai julgar o caso, conforme o ordenamento jurídico, decidindo quem tem direito, quem está certo entre as duas partes.
Têm especial importância, portanto, as provas, visto que são o mecanismo existente para convencer o juiz da existência dos fatos afirmados pelas partes.
Diante disso, tem sido cada vez mais comum a utilização de fotografias, vídeos e postagens em redes sociais que se prestam a provar fatos relevantes em processos judiciais, tais como, a condição socioeconômica para fins de arbitramento de pensão alimentícia, a existência de relação de amizade íntima ou inimizade capital, dentre outros.
Isso tem sido possível justamente em razão desse fenômeno da hiperexposição que as redes sociais têm proporcionado. Por razões óbvias, a maior parte do que se vê não são compartilhamentos de momentos de fracassos e derrotas.
As pessoas têm a necessidade quase incontrolável de compartilhar suas atividades diárias, buscando uma validação social, amplificando os aspectos positivos e criando uma falsa perspectiva da realidade.
No seriado Black Mirror, episódio 01, temporada 03, foi retratada uma sociedade em que a maioria das ações das pessoas buscava a troca de likes, e essa “reputação” criada era uma espécie de termômetro social, que era utilizado, para além de moeda para aquisição de bens de uso e consumo, para toda uma organização da estrutura social, com restrições de acessos a ambientes e punições baseadas nos “likes”. Interessantíssima a reflexão criada pelo episódio (encerro a referência por aqui para evitar spoilers. Registro que não há continuidade no seriado, cada episódio é uma história única, então cada episódio pode ser assistido isoladamente. Então, assistam).
Pois bem. Não raras vezes, fotos de viagens, de apartamentos luxuosos, de carros e cervejas importadas com o bordão “sextou” são carreados nas petições das varas de família pelos advogados para embasar seus pedidos.
Como dito acima, geralmente são levadas coisas positivas, muitas vezes até superdimensionadas, para as redes sociais. Então, as principais questões que possuem relevo jurídico são ligadas ao patrimônio, mas não se esgotam nelas. No âmbito laboral, por exemplo são várias as possibilidades de se utilizar de redes sociais como meio de provas para demonstrar elementos ligados a questões da relação entre as partes, dentre as quais pode-se citar: horário de trabalho, prestação de determinada atividade, aspectos da atividade laboral, gozo de férias, realização de treinamentos, comemorações, atividades de lazer, práticas desportivas etc.
Certa vez, em uma ação que buscava uma indenização por danos morais e materiais em razão de doença ocupacional na coluna de um trabalhador, vivenciei uma situação deveras inusitada. Durante o curso do processo, o advogado da empresa juntou aos autos postagens das redes sociais do autor sobre a sua participação em uma corrida de bicicleta. Mais de 58km, para quem alegava ter problemas sérios na coluna! Por certo que isso por si só não foi determinante, visto que demandava prova pericial. Mas o resultado constatado ao final foi convergente com os indícios e a ação foi improcedente.
Atualizando o adágio popular de que o peixe morre pela boca, nos dias atuais, o peixe morre pelas redes…
Por isso, consulte sempre um advogado de sua confiança.
André Ferreira Marques é advogado; sócio do escritório Bezerra, Cardoso e Marques Advogados Associados; Vice-Presidente do Conselho Estadual de Trânsito do Acre (CETRAN/AC); Árbitro inscrito nos quadros da Câmara Brasileira de Mediação e Arbitragem Empresarial (CBMAE); Mestre em Direito; Pós-graduado em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho; Pós-graduado em Direito Contratual e Responsabilidade Civil; Pós-graduado em Segurança do Trabalho.
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