Os casos de feminicídio no Brasil (assassinato pela condição de ser mulher) se tornaram evidentes com a vigência da Lei n° 13.104/105, conhecida como Lei do Feminicídio, reverberando efeitos no campo jurídico, social e político.
O Brasil é o 5° país que mais mata mulheres, convive com diversas violências cotidianas, e aí, vamos abrir um destaque para o último relatório realizado em 2019, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, “Visível e Invisível: a vitimização de mulheres”, 2º edição, pesquisa Raio-X do Feminicídio, realizada pelo Núcleo de Gênero do Ministério Público que abrangeu 121 cidades e 364 denúncias, resultando na constatação de que 84% dos feminicídios são realizados por parceiros ou ex-parceiros das vítimas (casados ou conviventes) e 12% namorados.
Essa violência que atinge praticamente um 1/3 da população feminina é interseccional. A mulher no Brasil vive em constante situação de risco, mas para a mulher preta ou parda existe um perigo ainda maior, tendo em vista que o racismo ainda é o fator agravante, para o risco de lesões e mortes dessas mulheres, que por sua vez sofrem reflexos dos entraves ao ingresso em cursos superiores, acesso à informação, serviços, qualificação e ascensão profissional.
Todos sabem que romper o silêncio é fundamental, entretanto, remetendo a um artigo que escrevi em 2018 sobre “Ciclo da Violência”, falei sobre alguns fatores que dificultam a mulher, vítima de violência doméstica e familiar, em quebrar esse ciclo, como: dependência econômica do agressor, exposição da intimidade e a descrença nas leis podem fazer com que a mulher em situação de violência não procure ajuda e tente sensibilizar ou mudar sozinha o agressor.
A maioria das mulheres continuam sendo vítimas de violência dentro de casa (42%), e apenas (10%) relatam ter buscado uma Delegacia da Mulher após o episódio mais grave de violência sofrida no último ano. Infelizmente, 52% das mulheres alegam não ter feito nada, mas em boa parte dos casos esse ciclo crescente de violência começa com a falta de respeito, as ofensas verbais, as ameaças, a manipulação, a violência psicológica, e passa para agressões físicas, que vão crescendo em intensidade até chegar a um ato final, que é o de tirar a vida da mulher.
O Estado do Acre, em março de 2019, iniciou em 2018 o programa intitulado Patrulha Maria da Penha com a solução tecnológica Botão da Vida, instrumento de defesa e proteção da mulher com medida protetiva deferida pelo judiciário, cujo Projeto de Lei foi apresentado pela Comissão da Mulher Advogada da OAB/AC.
Além de dispensar um tratamento humanizado e acolhedor à mulher vítima de violência doméstica com medida protetiva, a Patrulha Maria da Penha, quando acionada por meio do aplicativo Botão da Vida, deve sempre prezar pelo Princípio da Única Oportunidade (Scotland Yard) ou seja, ampliar o olhar para dar uma resposta imediata e eficaz para aquele chamado.
No Brasil, possuímos mais de 230 mil mulheres com medida protetiva deferida pela Justiça, e os dados demonstram que a tecnologia constitui um forte aliado para vencer as subnotificações. Fazendo jus ao argumento, trago à baila o encaminhamento das apresentações realizadas nos quatro Seminários Regionais da UNALE, na qual foi apresentado no GT Violência contra a Mulher o aplicativo Botão da Vida.
Com o objetivo de sugerir a implementação de políticas públicas amplas e articuladas entre os diversos setores envolvidos na prevenção, repressão e medidas de assistência e garantia de direitos à mulher vítima de violência, foi elaborado um documento com sistematização das propostas apresentadas durante os cinco Seminários Regionais da UNALE pelos Grupos de Trabalho.
Na Área: Segurança Pública – SENASP, foi apresentada a seguinte proposta:
3. Criação de canais e interfaces virtuais para comunicação e acompanhamento das ocorrências de violência contra a mulher, a exemplo do Programa “Botão da Vida”, implementado pela Secretaria de Assistência Social, Direitos Humanos e Políticas para Mulheres do Estado do Acre (aplicativo específico para as mulheres que têm medidas protetivas).
Texto extraído da proposta que foi entregue à ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, na Conferência Nacional da UNALE, que ocorreu entre os dias 20 e 22 de novembro de 2019, colocando o Estado do Acre como referência nacional de um produto tecnológico de defesa e proteção da mulher vítima de violência doméstica e familiar, com medida protetiva deferida pelo judiciário, que tem escopo de evitar o feminicídio e reduzir outras formas de violência contra a mulher.
O feminicídio é um crime evitável para o qual cabe aos poderes e à sociedade civil organizada trabalharem em conjunto.
Visando contribuir para que se identifique quando a morte de uma mulher é um feminicídio, o escritório da ONU Mulheres no Brasil em parceria com a Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres promoveram protocolo latino-americano para investigação dos assassinatos de mulheres por razões de gênero, que vem sendo aplicado em alguns estados brasileiros como: Maranhão, Mato Grosso do Sul, Piauí, Rio de Janeiro e Santa Catarina. O trabalho de implementação está sendo coordenado pelos Organismos Estaduais de Políticas para Mulheres, em conjunto com o Grupo de Trabalho Interinstitucional local, composto por instituições das áreas de Segurança Pública e Justiça Criminal.
Vejamos algumas classificações atualmente empregadas na América Latina para tratar dos feminicídios: íntimo, não íntimo, infantil, familiar, por conexão, sexual, sistêmico, por prostituição ou ocupações estigmatizadas, por tráfico de pessoas, por contrabando de pessoas, transfóbico, lésbico e bifóbico, racista e por mutilação genital feminina.
A tipificação não é uma medida de prevenção, mas é importante para tirar esse crime da conceituação genérica de homicídio para um crime específico praticado contra mulheres com forte conteúdo de gênero para que saia da invisibilidade.
O feminicídio é um crime evitável para o qual cabe aos Poderes e à sociedade civil organizada trabalharem em conjunto para formularem, cada um ao que lhe compete, medidas de responsabilização, proteção, reparação e prevenção.
Isnailda Gondim é Presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB/AC, advogada especialista em Direitos da Mulher, diretora de Políticas para as Mulheres e Direitos Humanos da Secretaria de Assistência Social, dos Direitos Humanos e de Políticas para as Mulheres do Estado do Acre (SEASDHM).
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