Apresentação:
Jaqueline Frota Pinheiro Ramos
Especialista em Psicologia Jurídica (Concurso de Títulos do Conselho Federal de Psicologia, 2018). Especialista em Psicologia Forense e Jurídica (Faculdade Unyleya – Brasília, 2016). Especialista em Didática do Ensino Superior (UNIÃO EDUCACIONAL DO NORTE, 2014). Graduada em Psicologia (UNIÃO EDUCACIONAL DO NORTE, 2013). Servidora do Tribunal de Justiça do Estado do Acre, Analista Judiciário – Apoio Técnico em Psicologia, desde 2014.
Oi, Jaqueline.
Logo de início, queremos agradecer muito a sua participação através desta entrevista.
Já é desejo da edição da revista contar com a participação de um profissional da psicologia jurídica desde a primeira edição da Capital Jurídico.
Com certeza o público jurídico irá ganhar muito lendo um pouco de sua experiência atuando junto ao judiciário.
O que é psicologia jurídica?
A Psicologia está inserida nas mais diferentes áreas e contextos, incluindo o Sistema de Justiça Brasileiro.
A psicologia jurídica é uma das áreas de especialidade reconhecida pelo Conselho Federal de Psicologia, assim como a organizacional, hospitalar, educacional. É uma área/campo, não uma abordagem teórica. Importante trazer essas distinções dadas às dúvidas em torno destes termos. Por exemplo, eu sou psicóloga jurídica e utilizo a psicanálise como abordagem teórica.
A atuação do psicólogo jurídico ocorre de diversas maneiras, mas a produção do laudo pericial tornou-se a mais evidente dentre as práticas. Os magistrados recorrem à equipe técnica quando a ação envolve questões que extrapolam a sua área de conhecimento, havendo assim, uma interlocução da Psicologia com o Direito.
Por exemplo, as solicitações de avaliações psicológicas que envolvem estupro de vulnerável costumam vir acompanhadas de quesitos produzidos pelos juízes, promotores e advogados. Quem teria competência para responder a questões como: a suposta prática do estupro de vulnerável ocasionara danos psicológicos, emocionais, familiares à criança? Seria possível que um adolescente ou criança adentrasse em um total estado de paralisação durante o ato sem que pudesse pedir ajuda? Uma pessoa poderia ser capaz de esquecer todo o evento traumático de tal forma que não conseguisse trazer sua versão dos fatos durante a oitiva? São questionamentos que extrapolam o campo do Direito e que requerem os conhecimentos de profissionais de outras áreas.
Em quais áreas do Direito um psicólogo pode atuar?
O psicólogo jurídico pode atuar como perito, assistente técnico, mediador de conflitos. Nas Varas das Famílias, em situações que envolvam disputa de guarda, negatória ou reconhecimento de paternidade. Nas Varas da Infância e Juventude, com avaliações de perda do poder familiar, medidas de proteção à criança, habilitação para adoção, suspeita de violência sexual. Nas Varas de violência doméstica, com avaliação de risco contra mulheres e idosos. Varas Criminais e Execuções Penais, analisando a imputabilidade penal de doença mental, exame criminológico, cursos aos homens autores de violência. Varas do Trabalho, nas análises que envolvam avaliação do assédio moral no trabalho e perícia psicológica trabalhista.
Há diferenças, e quais são, entre psicologia jurídica e psicologia forense?
Essa é uma dúvida muito comum. A meu ver, no Brasil essas diferenciações ainda não estão muito bem delimitadas, havendo muitas divergências em torno desses termos, suas áreas de atuação e singularidades.
Entendo a psicologia jurídica como o termo mais abrangente. De tal maneira que o próprio CFP reconhece apenas esta área em sua rede de especialidades, não fazendo menção às demais. Nela estaria incluída a psicologia forense, que por sua vez, se subdivide em outras duas áreas: criminal e judiciária.
Alguns autores asseguram que existem distinções entre os termos, porém, torna-se extremamente comum a utilização de alguns deles como sinônimos. É o caso de psicologia forense e judiciária, que costumam ser utilizadas para referir a atuação dentro dos fóruns, estando intimamente vinculada ao Judiciário.
A psicologia jurídica está integrada à psicologia social, por isso a sua amplitude. Ainda que seja um erro muito comum (que eu mesma cometi quando iniciei), essa atuação profissional não está relacionada exclusivamente à perícia, pelo contrário, o psi tem sido cada vez mais incluído em outras áreas, como na mediação de conflitos, acompanhamentos psicossociais, cursos preparatórios para adoção, acompanhamentos de medidas protetivas e de homens autores de violência.
Já a psicologia criminal - que é um termo bem menos utilizado no Brasil - tem sido conhecida pela análise de atos criminais, como os estudos dos perfis criminais (criminal minds), de cenas de crimes, periculosidade.
Quem pode solicitar a atuação do psicólogo em um processo?
Quem pode solicitar esse tipo de atuação é o Ministério Público, Defensoria Pública e os advogados das partes. O juiz é quem determina pela realização da avaliação psicológica, análise, acompanhamento. Normalmente é o servidor da equipe técnica em psicologia do Tribunal de Justiça o designado para realizar essas tarefas. Quando não é possível o atendimento da demanda por servidor do quadro técnico do Tribunal, um perito não oficial (ad hoc) pode ser designado pelo juiz dentre os peritos que atuem nessa área na localidade.
Por outro lado, é muito comum o acionamento das redes socioassistenciais dos municípios – CREAS, CRAS – para realizar a perícia. Há que se observar, no entanto, que tal atividade não é de competência dessas instituições cujas atribuições são substancialmente diferentes daquelas exercidas pelo psicólogo jurídico.
Em sua opinião, quais as vantagens da atuação de um psicólogo dentro de um processo?
Isso vai depender do tipo de demanda a ser analisada pelo psicólogo.
Por exemplo, em casos que envolvam abuso sexual e depoimento especial. A criança e adolescente poderão ser ouvidos em sede de produção antecipada de prova - uma única vez - por um profissional que possa utilizar técnicas de entrevistas de forma adequada em respeito à idade da criança e em local apropriado. Minimizando assim, os efeitos de uma revitimização. Além disso, há grande atenção ao estado emocional daquela criança e ao seu prognóstico. Se há necessidade de encaminhamentos a outros setores.
Creio que exista um olhar diferenciando que está além do processo judicial e da produção de prova. E esse olhar acontece na análise de todos os casos, nos mais diferentes contextos.
Há ainda a vantagem de poder conhecer situações que podem ser desconhecidas pelos juristas, visto que por meio de visitas domiciliares e institucionais o psicólogo jurídico - e o assistente social – podem chegar a lugares aonde poucos vão, conhecendo uma realidade que muitos desconhecem.
Assim, quando auxiliados por equipes multiprofissionais, os magistrados terão perspectivas mais ampliadas dos casos. Afinal, trata-se de um serviço técnico especializado. E isso serve para todas as áreas do conhecimento. Quanto mais informações técnicas especializadas à disposição do magistrado para avaliar em conjunto com as demais produções acostadas aos autos, mais assertivas e embasadas podem ser as suas decisões.
Quais as vantagens da atuação de um psicólogo extrajudicialmente em situações jurídicas?
Durante esses anos de experiência na área tenho observado que muitas pessoas chegam até as equipes ansiosas para contarem a sua versão da história, para defender o seu ponto de vista. Observo ainda que algumas pessoas desejam ser ouvidas atenciosamente, expor suas mágoas sem pressa, encontrar uma solução viável e célere ao seu caso. Atualmente já existem diversos programas de mediação e conciliação de conflitos que contam com a participação de equipes multidisciplinares. São profissionais que poderão oferecer escuta qualificada, acolhimento e que poderão tentar identificar os fatores intrínsecos e extrínsecos que motivaram aquela procura. Ao identificá-los e trabalhá-los poderá haver maior facilidade para se chegar a um acordo, sem que seja necessária a instauração de um processo judicial de fato.
Você sente que na prática possui liberdade para aplicar no âmbito jurídico as técnicas inerentes à psicologia?
Sim, sinto que tenho liberdade e autonomia para escolher as metodologias e técnicas que utilizo em cada caso. A falta de recursos, os prazos e investimentos nessa área é que dificultam a execução dessas técnicas. Todavia, tratam-se de dificuldades enfrentadas por diversos psicólogos que atuam nas mais diferentes instituições. As queixas são sempre muito semelhantes: falta espaço apropriado para os atendimentos, recursos lúdicos, investimento na compra de testes psicológicos e outros materiais, capacitações para os profissionais da área.
Pela sua experiência, com que seriedade o laudo do psicólogo é recebido pelo magistrado no processo?
Essa é uma questão muito subjetiva, visto que dependerá das convicções de cada magistrado e do tipo de processo. Até o momento tive experiências muito positivas com os profissionais com quem tenho atuado, sendo perceptível que em muitas situações há uma leitura atenta dos relatórios/laudos, consideração às sugestões feitas pela equipe, real interesse na discussão de alguns casos para maior entendimento.
Como você sente a receptividade de um psicólogo por parte dos advogados e defensores no Acre?
Na grande maioria, as experiências que tenho tido até o momento foram muito positivas. Advogados e defensores estão sempre a solicitar ao juiz a atuação da equipe técnica, mencionando a importância dessa análise para o caso.
Caso sinta a receptividade como negativa, como acha que pode ser melhorada?
Como mencionei, com relação à receptividade, nunca a senti como negativa. O respeito e a ética frente às especificidades de cada área é a base para qualquer relação profissional. Entretanto, há questões relacionadas às demandas solicitadas pelos advogados que poderiam, sim, ser melhoradas. É bastante comum nos depararmos com quesitos e pedidos, ou mesmo afirmações leigas feitas pelas partes ou seus advogados. Nunca é demais lembrar que a Psicologia é uma ciência fundamentada, alicerçada na academia e seus estudos científicos. Os laudos, relatórios e pareceres emitidos pelo perito judicial são documentos técnicos, resultado do processo de avaliação/análise psicológica realizada à luz da própria ciência. É necessário consolidar esse entendimento no meio jurídico, principalmente entre os advogados, incluindo até mesmo aqueles que são integrantes do poder público.
De maneira exemplificativa, não há técnicas que identifiquem verdade ou mentira. Não podemos confirmar se uma violência ocorreu. Os quesitos e perguntas sugeridos para a ocasião do depoimento especial também devem ser formulados de modo a preservar as crianças e adolescentes contra a revitimização. Não se pode submetê-los a entrevistas/perguntas ou, em alguns casos, insinuações que não tenham sido formuladas com a devida observância do ECA e demais diretrizes correlatas. À criança e ao adolescente deve ser garantida proteção integral, o meio jurídico não pode, em hipótese alguma, ser mais um ambiente de violência.
Quais são suas perspectivas para a atividade futura da psicologia relacionada ao direito como um todo?
Uma das minhas grandes expectativas para a psicologia jurídica é de que haja maior reconhecimento da importância desses profissionais no Sistema Jurídico Brasileiro. Não somente nos Tribunais, como nos MP’s, Defensorias Públicas, Delegacias.
Que exista maior investimento e atenção a essa área de atuação que é tão importante àquele que a recebe. Existem vantagens aos processos diante da participação deste profissional? Com toda certeza. Porém, as vantagens são infinitamente maiores àqueles que estão aguardando pela solução de seus conflitos ou que precisam de um olhar diferenciado para terem a sua proteção e voz no processo. Como nos casos que envolvem crianças, adolescentes, idosos.
Pode-se dizer que a identidade da psicologia jurídica ainda está em construção. É um campo relativamente novo que precisou se adequar e se distanciar do contexto clínico para a realidade do direito, portanto, ainda há ainda um longo caminho a ser percorrido pelos profissionais dessa área que tanto lutam pelo reconhecimento desta categoria.
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