Trata-se de um instituto do Direito Civil que surgiu a partir da necessidade de se coibir a interferência, por vezes recíprocas, entre propriedades vizinhas, sendo estas contíguas (limítrofes) ou não.
Essas interferências têm como causa não somente o crescimento demográfico dos grandes centros, mas também o constante interesse de conflitos entre proprietários e suas respectivas propriedades independentemente do zoneamento onde estas propriedades possam vir a estar situadas, seja na zona urbana, rural, residencial, industrial ou comercial.
Em suma, parte desse conjunto de normas do Código Civil Brasileiro, em sua parte geral, busca uma composição desses conflitos de forma a satisfazer interesses divergentes de propriedades opostas. Sem necessariamente estabelecer normas básicas para as diversas situações conflitantes que possam surgir no cotidiano de propriedades e proprietários vizinhos.
Em contra partida o mesmo Código regulamenta situações específicas entre propriedades vizinhas as quais o legislador entende serem recorrentes, logo, passíveis de uma regulamentação prévia, sendo elas: árvores limítrofes, passagem forçada, passagem de cabos e tubulações, águas comuns, os limites entre prédios e o direito de tapagem, assim como, o direito de construir.
Ainda que toda propriedade, para o Direito Civil Brasileiro, seja em regra perpétua, exclusiva e absoluta; as normas legais inerentes ao Direito de Vizinhança, em sua parte geral, impõe um limite ao Direito de Propriedade e não uma vantagem ao titular desse Direito.
Importante atentar ao fato que o Direito de Propriedade, é absoluto e por assim o ser, produz o consagrado efeito erga omnes (contra todos); porém para que isso de fato ocorra, o proprietário, ao utilizar sua propriedade de forma absoluta não deverá interferir em hipótese alguma na propriedade vizinha, sendo essa limítrofe ou não a sua.
Essa limitação ao Direito de Propriedade, imposta pelas normas de Direito Vizinhança, tem como fundamento a busca por um convívio social e harmônico entre proprietários e propriedades.
Importante também salientar, que estamos diante de uma obrigação “propter rem” (própria da coisa), logo essas normas deverão ser aplicadas sem qualquer tipo de distinção com a relação de domínio que um vizinho venha a ter com a sua propriedade.
Sendo assim, o proprietário que está na posse direta de sua propriedade não terá qualquer tipo de vantagem legal em relação a seu vizinho, ainda que este tenha uma relação de domínio adversa a sua, seja por força de um contrato (aluguel, por exemplo), ou por força de um dos institutos do direito das coisas (credor anticrético, usucapiente etc).
Certo é que o Direito de Propriedade será absoluto até o momento em que aquele que tem o domínio da propriedade para si a utilize sem interferir no sossego, na saúde ou na segurança da propriedade vizinha, porque se assim o fizer, estará utilizando sua propriedade de forma nociva e consequentemente terá o seu direito de propriedade, até então absoluto, limitado pelas normas do Direito de Vizinhança.
Regulamenta situações específicas entre propriedades vizinhas as quais o legislador entende serem recorrentes.
Ainda sim devemos observar que em algumas situações, o uso nocivo de uma propriedade deverá ser tolerado pelo vizinho por uma questão de interesse público em prol da coletividade. O que é facilmente explicado quando temos propriedades limítrofes a escolas públicas, delegacias, hospitais, quartel de corpo de bombeiros, etc.
Três são os tipos de atos que caracterizam o uso nocivo de uma propriedade vizinha: ilegal, abusivo e lesivo.
O ato ilegal se caracteriza a partir do momento que um proprietário ao cometer um ato ilícito dentro da sua propriedade acaba interferindo na saúde, no sossego ou na segurança de uma propriedade vizinha.
Já o abusivo não é caracterizado pela sua ilicitude, mas por um ato cometido de forma excessiva pelo proprietário, dentro dos limites da sua propriedade mas que acaba a interferindo na saúde, no sossego ou na segurança de seu vizinho.
Enquanto que o ato lesivo é um ato que não decorre necessariamente do uso anormal de uma propriedade, muito pelo contrário, ele é um ato cometido em virtude das próprias características daquela propriedade e que acabam interferindo nas propriedades vizinhas. Nesse caso específico essas interferências deverão ser toleradas ainda que por determinação judicial, cabendo ao vizinho exigir a redução ou a eliminação desses atos (lesivos) na medida em que se fizer possível.
Outro critério que deve ser levado em consideração para sopesar o uso nocivo de uma propriedade quando se trata do Direito de Vizinhança é a questão do zoneamento de cada cidade, e o destino do bairro onde determinada propriedade está inserida. Logo, uma propriedade comercial, em tese, não poderia estar situada em uma zona residencial e assim sucessivamente, a não ser claro que o plano diretor daquela cidade assim o permitisse. Nesse quesito é importante atentar para o fato que a nossa Carta Magna determina que toda cidade com mais de 20.000 habitantes deve ter o seu plano diretor.
Outra ferramenta bastante importante e de extrema relevância que se deve utilizar para dirimir dúvidas que possam surgir acerca da interferência ou não de uma propriedade em detrimento de outra é a Teoria de Pré Ocupação.
Literalmente essa teoria determina que se deve levar em consideração qual propriedade de fato “chegou primeiro”, mas chegar primeiro para o Direito não é apenas uma questão cronológica. Aqui “quem chegou primeiro” é aquela propriedade que tem o registro em cartórios mais antigo.
Porém, se ambas não possuírem registro no cartório de imóveis, deverá então levar-se em consideração a propriedade que conseguir comprovar a posse justa mais antiga, e se ainda assim não se conseguir comprovar qual propriedade tem a posse justa mais antiga, há de se levar em consideração os usos e costumes do local onde as propriedades estão inseridas.
Por derradeiro e não menos importante, na seara da sanção civil devemos atentar para o fato que o vizinho que ao utilizar sua propriedade de forma nociva, vier a perturbar a saúde, o sossego e a segurança de outra propriedade limítrofe ou não a sua; estará sujeito à indenização por danos materiais e morais, assim como será compelido a cessar o inconveniente sob pena de incidir no pagamento de multa diária até que assim o faça.
Robson Amaro é graduado em Ciências Sociais e Jurídicas pela Universidade Metropolitana de Santos, especializado em Direito Civil pela Escola Paulista de Direito e possui MBA em Gestão e Marketing pela Universidade Gama Filho.
Excelente artigo.