Primordialmente, é indispensável o destaque dado à liberdade de expressão, visto que este é um direito consolidado na Constituição Federal. De igual modo, o direito à liberdade de crença, também positivado em nossa Carta Magna e defendido pelas legislações internacionais, figura como parte essencial no rol de direitos resguardados no ordenamento pátrio.
Nisto, dado o fato de que ambos os direitos integram aqueles denominados como “direitos fundamentais ao ser humano”, mas que não possuem natureza absoluta, é plenamente possível a ocorrência de conflitos entre estes direitos. E quando o exercício de um desses direitos é feito de maneira errônea e irresponsável, de modo que ultrapasse e atinja o direito de outrem, há a possibilidade de que toda uma população seja indiretamente ofendida.
No que tange à liberdade de expressão, em suma, a CF de 88, em seu artigo 5º, IX, trata que a liberdade de expressão pode ocorrer de diversas formas, como artística, científica e de comunicação, e que esta não pode ser censurada ou condicionada a permissões.
Assim, basicamente, a liberdade de expressão é a possibilidade de transferir aos outros, pensamentos, opiniões, ideias etc. Para Lellis et al (2013, p. 34), sob esta ótica filosófica e jurídica, ser livre é algo que está intimamente ligado ao mínimo de garantia digna que deve ser dada ao ser humano.
De igual modo, a liberdade de crença, também prevista na CF 88, em seu art. 5°, VI, é a possibilidade de manifestação religiosa, de culto e organização, livre de censura, o que demonstra a Laicidade e liberdade de culto presente no Brasil, que dá margem para que um indivíduo, dentro dos limites legais, possa expressar livremente aquilo que crê.
E em suma, dada a grande diversidade e a laicidade do Estado implementada no Brasil, grande parte da sua população professa alguma fé ou religião. O censo demográfico realizado em 2010, pelo IBGE, apontou que cerca de 86,8% da população brasileira é cristã, sendo 64,6% professando a fé católica-romana e 22,2% protestantes (Evangélicos), foi levantado também o registro de 8% de cidadãos que não professam uma religião, 2% que professam o espiritismo, 1,6% as religiões afro-brasileiras e 3,2% de outras religiões. Sendo assim, qualquer ofensa pública, em especial, à fé cristã, que ganhe maior notoriedade midiática, ocasiona em grandes proporções, uma ofensa à grande parte da população brasileira.
Não obstante, no brasil também é assegurado a liberdade de expressão, o que permite, por obviedade, que seja feita alguma crítica ou que seja dada uma opinião sobre determinada religião, contanto que esta não seja desrespeitosa ou ofensiva.
O que ocorre, porém, é que por diversas vezes, o limite da liberdade de expressão em relação ao direito de crença de outrem é extrapolado, tornando-se ilícita a expressão e ofendendo, assim, um direito também considerado como essencial ao ser humano.
Obviamente, religião é tema pessoal, você, sua fé e sua consciência, que quando professadas, à depender da doutrina a qual o indivíduo segue, implicam em tipos de comportamento, abstenções, opiniões acerca de determinados assuntos e várias outras questões de postura em relação a fé que possui – Claro, não há o que se falar de defesa em relação à discurso de ódio ou incentivo ao preconceito contra aqueles que não professam a mesma fé – que integram o sentimento religioso daqueles que creem, e que devem ser respeitadas em face daquele que não professa ou que discorda, sendo o respeito um dos princípios basilares para a harmonia dentro da sociedade.
E sobre isto, também é equivocada a conclusão de que, por deterem carga social relevantíssima, estes direitos sejam absolutos. Conforme a fala de Morais (2016), os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela carta Magna. O que pressupõe que, quando há esses conflitos, existirá inevitavelmente a limitação, ora total, ora parcial, de um ou mais direitos.
Assim, visto que há a necessidade de análise de tudo que envolve o conflito e os indivíduos por ele abrangidos, a solução sempre irá pender para aquele que apresentar maior e indispensável importância e que apresente maior necessidade de proteção do Estado ao indivíduo. Desta feita, esclarece-se a necessidade de ponderação e proporcionalidade na resolução desses conflitos entre a liberdade de expressão e a liberdade de crença.
E diante dessa antinomia jurídica, quando da prática da intolerância religiosa, o legislador previu, por exemplo, a possibilidade de responsabilização criminal, conforme descreve o artigo 208 do Código Penal Brasileiro, de modo que quando da ocorrência dessa ofensa, o Estado pode ser acionado por meio do judiciário, de maneira a assegurar a liberdade de crença.
Outrossim, é indispensável salientar que a garantia em relação a liberdade de expressão possibilita que indivíduos possuam opiniões divergentes, inclusive no que tange às crenças, a favor ou contra às referidas ou em relação à algum assunto decorrente destas, e não serem punidos por isso. Porém, denegrir, vilipendiar ou insultar a fé ou crença de alguém por um preconceito a respeito da religião, configura uma expressão ilícita e intolerância religiosa.
No que tange à possibilidade de responsabilização criminal pela prática de intolerância religiosa, Nucci (2008, pág. 852), descreve essa penalização como uma subdivisão que contém três espécies criminosas autônomas, quais sejam, a Zombaria; o Impedimento, ou a Turbação, de ato ou fé religiosa, e por fim o ato de Vilipendiar, destacando que em decorrência dessa autonomia de cada ação descrita, permite-se que, quando houver a prática de mais de uma ação, o indivíduo possa ser responsabilizado criminalmente por cada uma, em concurso material.
Quanto à zombaria motivada pela religião, que remete à escarnecer outrem (troçar, ultrajar, motejar), tem-se que, para ser configurado, há a necessidade de ser de maneira pública, ou seja, um escarnecimento público, que seja veiculado em imprensa, internet, etc. e que haja o dolo na intenção de ridicularizar ou faltar com o respeito, não sendo necessária que alcance midiaticamente toda a população nacional, sendo essencial apenas que seja dado o caráter de publicidade do ato em veículos de mídia, mesmo que o fato não ganhe elevado destaque ou relevância.
No que se refere ao ato que impede culto religioso, o ato chave da tipificação remete ao impedimento (interrompe, para), ou seja, de algum modo o indivíduo dá causa ao fim ou efetivamente origina a interrupção de um culto, embasado no intuito de atingir ao ato religioso, ou perturbar (turba, atrapalha) um culto, cerimônia ou prática religiosa, que, em caso, o indivíduo não interrompe, mas veementemente atrapalha o prosseguimento normal do culto em si, sendo caracterizado como um crime comum, formal, ou seja, não há taxatividade ou indivíduo próprio previsto para estes casos. Basta o dolo eventual sendo irrelevante o fim visado pelo agente (TACrSP, RT 491/318).
Há ainda a tipificação “vilipendiar”, que remete ao considerar vil, desprezável, ao ultraje injuriosamente à determinada religião ou sentimento religioso. Excede o aspecto de ofensa e insere-se em humilhação.
Há ainda a possibilidade de majoração da pena nesses casos de violação do direito de crença, quando há emprego de violência (física), ou seja, além de atingir publicamente a fé ou sentimento religioso, o indivíduo também usa de força física para atingir diretamente a público determinado, motivado pelo preconceito contra a crença destes, razão pela qual a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da pena corresponde à violência, nos termos do art. 208, parágrafo único.
Em relação à reparação indenizatória por danos morais sofridos em face de um preconceito referente à opção religiosa de um indivíduo, denota-se a possibilidade de reparação, visto que não há necessidade de que a lesão capaz de ensejar o dever de indenizar por dano moral coletivo atinja diretamente um número significativo de pessoas, bastando que possa ofender uma coletividade e atingir os valores essenciais que devem estar assegurados ao exercício do direito de crença, bastando a devida comprovação do dano sofrido e do nexo entre o dano e o autor que viera a causa-lo.
Este fora o entendimento da 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, no processo n° 0000029-08.2013.5.01.0013, condenando um banco a pagar R$ 100 mil de danos morais coletivos por discriminação religiosa ocorrida em uma de suas agências na cidade do Rio de Janeiro.
Assim, demonstra-se a necessidade de manutenção por parte do legislativo e judiciário, o primeiro propondo leis que regulamentem de maneira específica a proteção ao direito à liberdade de crença, em face da liberdade de expressão, quando da expressão ilícita, e no caso do judiciário, fazendo cumprir as normas de maneira a assegurar esses direitos de maneira efetiva.
Ao governo na promoção de palestras e programas que conscientizem à população acerca da necessidade de respeito mútuo entre os cidadãos, pois as leis seriam apenas uma suplementação em caso de descumprimento, mas o respeito em si, se fixado entre os cidadãos, pode de maneira mais efetiva, reger as relações entre esses indivíduos.
E como dito, é plenamente plausível discordar, emitir opiniões e pensamentos acerca de uma religião ou fé, principalmente em um país como o Brasil, que conforme dados oriundos do IBGE, apresentados no artigo, têm naturalmente diversas religiões.
Mas o destaque quanto à manutenção destas relações se dá com o fim de evitar o desrespeito, as agressões, ofensas, e tudo aquilo que diminui o direito de outrem supostamente em nome de um outro direito.
Ambas, expressão e crença, devem ser asseguradas e as duas possuem, internacionalmente, previsões legais que vinculam o Governo, em sua natureza de Garantidor de direitos, como parte necessária e atuante na defesa destes direitos.
É plenamente possível expressar o que se pensa sobre um ato religioso ou crença, sem diminuir o direito de outrem de professar livremente sua fé ou religião, ambos dentro dos limites legais, envoltos no respeito necessário em uma sociedade civilizada.
Gabriel Barbosa Cavalcante é discente do 10° período do curso de Direito do Centro Universitário Uninorte e faz parte do espaço que a Capital Jurídico está abrindo para acadêmicos publicarem seus textos.
Excelente abordagem! Um tema que precisa ser muito debatido.