O termo sororidade surgiu originariamente na França para contemplar a luta feminina por direitos e cidadania[1], uma vez que, após a Revolução Francesa, os termos “fraternité”, “liberté” e “igualité”, pareciam apenas ter sido criados e destinados para os homens, já que as mulheres continuaram privadas dos direitos de propriedade de imóveis, de trabalhar, e, principalmente, de votar, o que as manteve sem espaço na vida política, negando às mesmas o direito ao exercício da cidadania plena.
O termo sororidade significa a união de mulheres que compartilham os mesmos ideais e propósitos, normalmente de teor feminista, sendo caracterizada pelo apoio mútuo evidenciado entre elas[2]. O termo vai além do respeito e passa pelo não julgamento de outras mulheres, mas de ouvir e respeitar suas reivindicações com empatia e seus contextos sociais sem discriminar qualquer mulher por causa da sua raça, credo ou profissão, trabalhando para que todas ocupem os espaços que lhes cabem na sociedade, inclusive em todas as esferas do ambiente político.
A mais representativa expressão do feminismo e da sororidade feminina, ocorreu na França em 1791, com Olímpia de Gouges que, após a Revolução Francesa, compôs a célebre “Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã”, no qual proclamava a mulher como sujeito de direitos naturais idênticos aos dos homens, e, portanto, deveria participar, direta ou indiretamente, da formulação das leis e da política em geral[3]. A Declaração de Olímpia foi, apesar de rejeitada, a maior expressão da reivindicação de igualdade social, política e jurídica e certamente o espírito de sororidade esteve presente nesse grandioso movimento pela igualdade entre os gêneros masculino e feminino.
No Brasil, foi necessário que a mulher experimentasse alguns séculos de dominação paterna e marital, sempre limitada ao ambiente familiar e doméstico, até que os primeiros sinais dos ideais feministas surgissem no século XIX e as mulheres passassem a se mobilizar, questionando os papeis subalternos que iam assumindo.
Assim, a conquista da cidadania das mulheres através do sufrágio feminino só viria em 1930, no Governo de Getúlio Vargas, com a participação decisiva da zoóloga Bertha Lutz que, na liderança da Federação Brasileira para o Progresso Feminino (FBPF), lutou pelo sufrágio das mulheres. Mais tarde, no regime de ditadura, as mulheres passaram a organizar-se para questionar com mais profundidade qual o papel que ocupavam na sociedade e a necessidade de praticar a sororidade ficava mais latente, diante da opressão e discriminação contra as mulheres.
Após o período de ditadura militar, o Brasil passou por um processo de redemocratização com o surgimento de diversos partidos políticos e o eleitorado feminino tornou-se um alvo importante dos diferentes grupos políticos, e isso evidenciava o crescimento, a força e a união que os grupos feministas haviam alcançado.
Hoje em dia, graças à sororidade e a luta das mulheres, elas podem, não somente exercer a cidadania pelo voto, mas também exercer a chamada cidadania passiva, consubstanciada no direito de ser votada, permitindo-lhe ocupar cargos políticos antes apenas ocupados por homens, e isto representa uma grande conquista do movimento feminista no Brasil deste século, uma vez que as questões relacionadas, por exemplo, ao combate da desigualdade salarial existente no mercado de trabalho, a cultura do estupro, do assédio sexual, moral e financeiro, da violência contra mulher, entre outros, ganharam destaque e prioridade para a criação de políticas públicas que garantissem o bem-estar e a igualdade de condição e oportunidade para as mulheres.
Outra ação afirmativa proveniente das lutas das mulheres, diz respeito à obrigatoriedade da cota de 30% do total das candidaturas femininas a serem registradas por partidos políticos, nos termos do art. 10, § 3º da Lei nº 9.504 de 30/09/1997, alterado pela Lei nº 12.034 de 29/09/2009, conquista esta que demonstra o quanto elas vêm lutando pela efetiva igualdade de gênero em todas as esferas da sociedade. Ademais, pesquisas e estudos mostram que mulheres na política influenciam e estimulam outras mulheres a ingressar na vida pública, levando à implementação de ações e programas de governo alinhados com demandas do eleitorado feminino[4].
Em que pese a mudança favorável a participação da mulher na política, o que tem ocorrido de fato é que a representatividade feminina no espaço político ainda é incipiente, pois os 30% reservados para as candidatas mulheres sequer chegam a ocupar efetivamente os cargos para os quais se candidataram, por falta de votos.
Segundo os dados do Tribunal Superior Eleitoral – TSE[5], as mulheres representam 52,50% do eleitorado nacional, e, sendo maioria, como explicar, que somente pouco mais de 16% das vagas para cargos políticos são ocupadas por mulheres?
Outro dado que pode corroborar com a pouca expressiva participação da mulher na política é fornecido pelo Senado Federal na sua página institucional[6]. Nela se percebe que nas Eleições de 2018, dos 353 candidatos ao Senado, somente 62 eram mulheres e somente 07 se elegeram. E ainda mais grave é a constatação de que, em 20 Estados da Federação, nenhuma mulher foi eleita, e, em 03 deles, sequer houve candidatas.
No Acre, graças à vaga de senador deixada pelo atual Governador, o Estado pode contar com uma Senadora. Mesmo assim, a partir de 2019, o Senado Federal passou a contar com apenas 12 representantes femininas.
Ainda, em relação ao ano de 2018, os percentuais também não são favoráveis quando falamos em representação feminina na Câmara de Deputados Federais e Estaduais, chegando a ínfimos 15,01 % e 15,56 %, respectivamente.
Os percentuais de participação feminina na política são desanimadores pois revelam a ausência ou pouca representatividade das mulheres no cenário político.
No Acre, o eleitorado feminino apto a votar em 2018 foi de 282.271 mulheres, que representa 51,54% do total de eleitores aptos, o que revela que, conquanto as mulheres sejam maioria, em razão da falta de conhecimento da necessidade e importância da sua participação, como protagonistas, na política, poucas continuarão a ter acesso a cargos eletivos.
Falta sororidade na política? Se a sororidade faz uma exortação à empatia e ao apoio às lutas das mulheres pelas mulheres, seria preciso então trabalhar para que mais mulheres possam ocupar mais espaço na política, e que mulheres se sintam confortáveis e seguras em confiar seus votos a mulheres? Seria a sororidade, mais uma vez, o sentimento nobre capaz de promover a aproximação entre elas? O que falta para se alcançar o ideal?
Não existe uma resposta certa ou errada para tais questionamentos, a participação das mulheres na política vai além do exercício do voto e da filiação a um partido político. É preciso, acima de tudo, levar em conta a questão identitária, ou seja, se as mulheres fossem apoiadas não só como a representante de um determinado partido político, ou de um projeto de governo, mas pelo gênero, a partir desta perspectiva a sororidade seria talvez o sentimento capaz de promover esta aproximação se alcançando o ideal proposto pela sororidade.
Torna-se também relevante o permanente incentivo da participação da mulher nos assuntos do Estado, não somente nos períodos eleitorais, de maneira que suas lutas e conquistas, o trabalho em defesa dos direitos, das garantias, da igualdade social, estejam permanentemente em pauta no debate político e social, por meio de entidades de defesa dos interesses da sociedade, da pluralidade e do regime democrático de direito.
Apesar das muitas lutas e reinvindicações das mulheres e de movimentos sociais e feministas, conquistadas com ajuda da sororidade feminina, é necessária ainda a conscientização do momento histórico de protagonismo que as mulheres vivenciam. As lutas em prol da efetivação de direitos, de igualdade, paridade e representatividade precisam ser lideradas por mulheres, e, para isso, precisamos de mais mulheres na política e de mulheres votando em mulheres.
[1] [2] Disponivel em: https://www.dicio.com.br/sororidade. Acesso em 05/10/2021. [3]Disponível em: https://educacao.uol.com.br/disciplinas/sociologia/feminismo-movimento-surgiu-na-revolucao-francesa.htm. Acesso em 05/10/2021. [4] Disponível em: https://pp.nexojornal.com.br/perguntas-que-a-ciencia-ja-respondeu/2020/6-pontos-sobre-as-cotas-para-mulheres-na-pol%C3%ADtica. Acesso em 07/10/2021. [5] Disponível em: https://www.justicaeleitoral.jus.br/participa-mulher/#estatisticas. Acesso em 05/10/2021. [6] Disponível em: https://www12.senado.leg.br/hpsenado. Acesso em 05/10/2021.
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