Por um bom lapso temporal, a categoria doméstica não possuía legislação específica que atendesse de modo integral suas características e peculiaridades. O Brasil passou por diversas mudanças legislativas ao longo de sua história, de um país colonizado para a atual república, dentre estas alterações destaca-se a promulgação da Constituição Federal de 1988, enaltecendo direitos de primeira, segunda e terceira dimensão. Frisa-se dentre estes o elencados no artigo 7º da referida carta relacionados aos trabalhadores urbanos e rurais, contudo a respeito da categoria dos empregados domésticos, elas não contemplaram a categoria integralmente deixando que suas necessidades laborais restassem com quase ou nenhum respaldo jurídico.
Partindo-se da trajetória do empregado doméstico no Brasil, que remonta aos tempos coloniais até os dias atuais, além dos conceitos trazidos na visão de alguns doutrinadores. Deve-se analisar como o legislador trouxe a definição mais objetiva para estruturação da Lei Complementar.
Em comparação com as definições apresentadas tem-se alguns elementos similares aos descritos na redação do art. 1º da Lei complementar nº 150/2015, como demonstrado abaixo:
Art. 1º Ao empregado doméstico, assim considerado aquele que presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de 2 (dois) dias por semana, aplica-se o disposto nesta Lei. (BRASIL, 2015)
Desta maneira, existem as características do empregado lato sensu descritas no art. 3º da CLT que o empregado doméstico segue de forma similar, absorvendo alguns atributos dos celetistas para dentro dos contratos de trabalho. Mas também, possuem aspectos que irão defini-los dentro da relação laboral.
Aspectos definidores do empregado doméstico dentro do contrato de trabalho
Da análise do art. 1º da LC nº 150/2015 é possível extrair os 6 elementos cumulativos que compõem a definição de empregado doméstico, quais são:
a) Idade mínima de 18 anos: a idade mínima segue as normas da Convenção nº 182 da OIT, na qual foi promulgada pelo Decreto nº 178/99. Visando respeitar que os menores de 18 anos não devam trabalhar neste tipo de atividade, que foi considerada como uma das piores formas de trabalho infantil pela Lista TIP e posteriormente aprovada pelo Decreto 6.481/2008, regulamentando expressamente no artigo 2º do referido regulamento;
b) Pessoalidade: o empregado deverá prestar seus serviços de forma pessoal, pode-se dizer que o trabalho doméstico é celebrado intuitu personae, isto é, a prestação de serviços é firmada de maneira consentida, em relação à pessoa do contratado, não podendo esta ser cumprida por outrem (VARGAS, 2022, p.18).
Seguindo essa característica o empregador conta com uma pessoa específica para desempenho do serviço. No caso do empregado enviar outra pessoa, como um parente, inexiste o elemento pessoalidade na referida relação (MARTINS, 2018, p. 35);
c) Pessoa Física: consoante o art. 3º da CLT, será considerado empregado toda pessoa física aquele que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. É possível, então, concluir que a pessoa física é uma importante característica para o empregado. Exclui-se por consequência, a pessoa jurídica de uma possível contratação como empregado em algum âmbito trabalhista. Como também, das classificações de empregado doméstico, que aplicam subsidiariamente a CLT nos casos de omissão da LC nº 150;
d) Continuidade(Não eventualidade): a continuidade é relacionada ao trabalho exercido de forma contínua, periódico, com regularidade e de trato sucessivo. Contudo, o empregado doméstico não necessariamente deverá laborar todos os dias da semana, visto que o artigo 1º da Lei Complementar nº 150 deixa claro que ele poderá exercer suas atividades por mais de 2 (dois) dias por semana, considerado esse prazo como atividades contínuas. Então, esse pacto faz parte do contrato de trato sucessivo, de duração, que não se exaure em uma única prestação, como decorre com a venda e a compra;
e) Subordinação jurídica: a subordinação está centrada dentro do contrato na figura do empregado, e não da pessoa. O empregador dentro da relação deverá coordenar o empregado por meio de ordens e surgirá ao empregado a obrigação de se submeter as essas ordens, assim como descreve Carlos Henrique Bezerra Leite (2022, p.350), em seu livro Curso de Direito do Trabalho:
A subordinação jurídica é a mais aceita. Significa um estado de dependência real, decorrente de um contrato e produzido por um direito, o direito do empregador de comandar, de dar ordens, donde a obrigação correspondente para o empregado de se submeter a essas ordens. Vale dizer, não é a sua pessoa que fica sujeita ao poder do empregador, mas o modo como o seu trabalho é prestado àquele, ou seja, a subordinação incide sobre a sua atividade e não sobre a sua pessoa. Subordinação é, pois, o objeto do contrato de trabalho. É a limitação à autonomia do empregado.
Conclui-se que, o empregado dentro do âmbito contratual tem o dever da subordinação para com o empregador, ressalvado de que essa subordinação não perpassa do empregado para a pessoa que ali está, surgindo uma fina barreira entre os excessos que podem ocorrer e que afetam tanto a pessoa quanto quem exerce esta função;
f) Onerosidade: a onerosidade é a contraprestação pelo serviço de outrem, característica também presente em outras relações que possuem a figura de empregado e empregador regulados pela CLT. De forma similar a Lei Complementar nº 150/2015 dispõe sobre esse requisito no art. 1º. Assim, é desconsiderado da lei o trabalho prestado de forma gratuita, voluntário, com traços de afinidade ou por caridade (BEZERRA LEITE, 2022, p.407);
g) Inexistência de finalidade lucrativa no âmbito residencial: no exercício da atividade doméstica deve-se observar se o empregador não está utilizando-a para fins que gerem lucros para si. Caso ocorra do serviço está sendo direcionado para fins diversos, surgirá dois vínculos, assim como sugere Bezerra Leite (2022, p. 408):
Há situações em que no ambiente familiar também se explora atividade econômica. Se a cozinheira, por exemplo, presta serviços para a família e um dos componentes desta vende a alimentação produzida pela cozinheira para terceiros, pensamos que haverá dois vínculos: um de trabalho doméstico com a família e outro de emprego urbano comum com a pessoa física que explora comercialmente os serviços prestados pela cozinheira.
Partindo deste pressuposto existirão dois vínculos empregatícios e dentro do caso concreto deve ser aplicado a norma mais favorável ao trabalhador seguindo os moldes do princípio da condição mais benéfica.
O empregador doméstico e o pacto laboral emergente da relação de trabalho
Existem duas partes importantes para que essa relação possa existir, o empregado doméstico, já bem descrito e conceituado anteriormente e o empregador doméstico. A outra face desta moeda possui como todos os empregadores responsabilidades com seu subordinado.
Essa espécie de empregador detém alguns requisitos essenciais a sua figura, a saber: pessoa física ou familiar; morar em local destinado à sua residência e não explorar atividade econômico-lucrativa. É importante ressaltar ainda a definição presente na Lei Orgânica da Seguridade Social nº 8.212/91, artigo 15, inciso II que define como: “[...] a pessoa ou família que admite a seu serviço, sem finalidade lucrativa, empregado doméstico” (BRASIL, 1991).
A convenção nº 189 da OIT também define quem é essa figura:
O empregador de um(a) trabalhador(a) doméstico(a) pode ser um membro de um domicílio para o qual o trabalho é realizado ou uma agência ou empresa que emprega trabalhadores(as) domésticos(as) e os disponibiliza para trabalhar em domicílios privados.
Em linhas gerais, a legislação utiliza o termo família de forma ampla, devendo-se entender que são aqueles que convivem no mesmo ambiente residencial. Assim, qualquer membro poderá registrar o doméstico (MARTINS, 2018, p. 40).
Vale destacar que o empregador não se limita apenas a família, consoante cita Sérgio Pinto Martins (2018), podendo ser um grupo de pessoas que se reúnem para viver conjuntamente, como por exemplo uma residência ocupada por estudantes universitários.
Entretanto, o serviço doméstico prestado a pessoa jurídica irá descaracterizar a condição de empregado doméstico, logo será regido pela CLT e não mais pela LC nº 150/2015.
Em caso de morte do empregador o contrato não será extinto automaticamente, as obrigações existentes devem passar para outro membro da família (VARGAS, 2022). Observado realmente se o empregado prestava serviço para a família que ali reside respeitando os requisitos obrigatórios, dessa forma persiste o mesmo contrato de trabalho.
Particularidades do contrato de trabalho do empregado doméstico dentro legislação brasileira
Em termos gerais, seguindo a dinâmica da CLT, o contrato de trabalho deve ser sinalagmático, já que contém contraprestações recíprocas; comutativo pela equivalência de prestações; oneroso por não poder ser celebrado de a título gratuito; consensual pela obrigatoriedade da manifestação de vontade de ambas as partes. Por fim de trato sucessivo, ou seja, com cumprimento de única prestação não exigindo forma especial, salvo quando a lei expressamente determinar em contrário.
A lei complementar nº 150 não define explicitamente o contrato de trabalho doméstico. De acordo com Bezerra Leite, em seu livro Curso de Direito do Trabalho (2022) será o negócio jurídico, tácito ou expresso, por tempo determinado ou indeterminado, que estabelece um conjunto de direitos e deveres para o trabalhador doméstico e para o empregador doméstico.
Dessa forma, o contrato não tem necessidade de ser celebrado de forma especial. Contudo, a LC 150 dispõe que determinadas cláusulas ou condições de trabalho sejam descritas e formalizadas por escrito, como por exemplo, na instituição do regime de compensação de horas de trabalho (BEZERRA LEITE, 2022, p. 411).
De maneira similar a outras formas de contrato, deve haver a assinatura da CTPS do empregado, ainda que o contrato seja de forma verbal, sendo uma forma de comprovação do vínculo e do negócio jurídico firmado. Já a duração do contrato deve seguir os mesmos moldes da CLT, no qual prevalece a regra do contrato por tempo indeterminado, e a exceção o contrato por prazo determinado, deixada como faculdade no artigo 4º da LC 150.
O referido dispositivo dispõe as formas como podem ser firmados os contratos por tempo determinado a saber: mediante contrato de experiência; para atendimento das necessidades de caráter transitório do empregador ou ainda para substituição temporário de um trabalhador com contrato de trabalho interrompido ou suspenso. (BRASIL, 2015, art. 4º).
Posteriormente no artigo 5º é descrito como funcionará o contrato de experiência, dentro dos moldes da lei geral, a CLT.
Vale ressaltar, as responsabilidades que o empregador doméstico possui, como por exemplo a preservação do ambiente de trabalho, seguindo a aplicação subsidiária da CLT e de maneira superior ao disposto no art. 200, VIII e 225 da Constituição Federal.
Mais adiante, nos arts. 11, II, 18,§ 1º, e 19, o empregado doméstico enquadra-se aos que têm direito ao benefício do auxílio-acidente por “lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho” (BRASIL,1991).
Poderá o empregador doméstico na ocorrência dessas hipóteses, nos termos dos art. art. 7º, XXVIII, c/c art. 927, p.u. do CC, ser responsabilizado por danos morais e materiais no meio ambiente laboral doméstico. Porém, pelo contexto do ambiente em que essa relação está configurada, a análise da responsabilidade deverá ser, em regra, de maneira subjetiva (BRASIL, 1988).
Em suma, o empregado doméstico é uma categoria rodeada de peculiaridades que não devem ser ignoradas, principalmente, quanto à caracterização da pessoa como integrante desse emprego que não podem ser confundidos com os empregados qualificados no art. 3º da CLT. Além disso, o empregador da categoria também não será qualquer um, como por exemplo uma pessoa jurídica e aqueles que desempenham atividade com fins lucrativos, conduzindo a atividade doméstica a se confundir com o negócio desenvolvido pela família. Situação que poderá ser conduzida à justiça do trabalho em sede de reclamação trabalhista.
Ressalta-se por fim, a lei complementar nº 150/2023, ricamente influenciada pela emenda nº 72/2013 que ampliou o rol de direito do parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal. A LC resguarda de maneira integral o que deve ser ou não aplicado ao empregado doméstico, como também novas regulamentações que não foram debatidas no decreto nº 5.859/1972, lei que regulamentava o trabalho doméstico até 2015. Destaca-se o seguro-desemprego; FGTS; auxílio-acidente e possibilidade de contrato de experiência como inovações que inovaram a legislação de uma categoria diversas vezes marginalizada por sua origem.
Sobre a autora
Tácila Monteiro Roberto: Graduada em Direito pela Universidade da Amazônia (UNAMA), Aprovada no 37º Exame da Ordem.
REFERÊNCIAS
BEZERRA LEITE, Carlos Henrique. Curso de Direito do Trabalho. 14ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2022. 1756 p. ISBN 9786553622944.
BRASIL. Lei Complementar nº 150 de 2015, de 1 de junho de 2015. (Vide Medida Provisória nº 1.046, de 2021) (Vide Medida Provisória nº 1.045, de 2021) (Vide Medida Provisória nº 1.109, de 2022) Dispõe sobre o contrato de trabalho doméstico. Brasília, 1 jun. 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp150.htm . Acesso em: 9 out. 2023.
CAROLINE VARGAS, Giovana. A relação existente entre empregado doméstico e empregador e o impacto causado no funcionário. 2022. Monografia (Bacharelado em Direito) - UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU, São Paulo, 2022. Disponível em: https://repositorio.animaeducacao.com.br/handle/ANIMA/28591. Acesso em: 10 abr. 2023.
PINTO MARTINS, Sergio. Manual do Trabalho Doméstico. 14ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 255.