O ser humano é o que há de mais valioso e tudo o que existe foi criado em função dele. Aprouve aos deuses lhe atribuir a racionalidade e, desta forma, sendo animal, alçou ao status de rei dos seres viventes dominando os demais animais e, em grande medida, a natureza. Este ser realmente valioso criou cidades, estados, leis, filosofias e religiões, as mais diversas que se possa imaginar, colocando, no plano das leis, a sua autoproteção com fundamento principal de todo o ordenamento jurídico. Em apertada síntese, foi assim que surgiu a dignidade da pessoa humana.
Já nos ensinou Kant que “o homem é um fim em si mesmo, não podendo ser tratado como meio para o atingimento de fins alheios”, não podendo ser coisificado. Ele é insubstituível, único, incomparável e infungível. Os direitos humanos são um conjunto de prerrogativas que a pessoa humana possui em face dos demais e do Estado. E em razão de sua natureza preciosa e inigualável se tornou o fundamento basilar de toda a superestrutura jurídica vigente e seu “sentido” se irradia por todo o ordenamento em seus vários ramos, filamentos e demais vascularizações indizíveis e incontáveis.
Saindo do plano abstrato e etéreo dos deuses e voltando o olhar para o mundo concreto, dos homens, se pode notar que o reconhecimento da dignidade do ser humano, no plano prático, se materializa como a positivação dos direitos fundamentais na Carta Política, pois, não há vida digna sem liberdade, educação, saúde, direito de propriedade, igualdade, devido processo legal, etc. A violação dos direitos fundamentais, por assim dizer, é a violação ao direito de uma vida digna e tal ato, onde quer que se manifeste, deve ser de plano repelido contundentemente.
Desta forma, a questão dos direitos humanos pode ser entendida em duas perspectivas, a primeira é a individual, situações pontuais onde ocorrem graves violações que assombram a sociedade e que dominam as capas dos jornais e as conversas do cotidiano. A segunda é mais perigosa, silenciosa e mais grave, pois atinge a coletividade e pouco se ouve falar, pois se trata da omissão do Estado em promover o desenvolvimento econômico da sociedade que, resulta no aumento da inflação, e por consequência, na quebra das empresas, aumento exponencial da taxa de desocupação e da infelicidade geral.
Neste sentido, nos últimos dias, foi noticiado pelo IBGE e analisado pelo Prof. Orlando Sabino, no seu blog situado no site do jornal Ac24horas, que o Estado do Acre possui a 5º maior taxa de desocupados do país, atingindo o patamar de 14,8%, totalizando 56 mil pessoas sem emprego formal ou informal, acima da média nacional que é de 11% no primeiro trimestre de 2022. A mesma fonte informa que nosso estado possui o segundo menor Produto Interno Bruto - PIB (soma de todos os produtos e serviços gerados em nosso estado dentro de um ano) do Brasil (2019) atingindo o patamar de 15.630 bilhões, “ganhando” apenas de Roraima que perfaz um PIB de 14.292 bilhões. Portanto, desde tempos idos, somos o segundo estado mais pobre da Federação.
Por outra perspectiva, ainda com base nos dados do IBGE (2010), no âmbito do Índice de Desenvolvimento Humano - IDH que analisa a renda média, tempo de escolarização e expectativa de vida, nosso estado encontrava-se, na última pesquisa de 2010, na 21ª posição entre 27 estados, com valor de 0,663, e não se tem otimismo para acreditar que este índice tenha melhorado. No plano da experiência sensível, se vê nas ruas o aumento de pessoas em situação de rua, miséria, mendicância, drogadição e a sobrecarga das instituições que prestam o serviço de assistência social. Com efeito, o cenário é lastimável!
Já dizia o poeta Gonzaguinha que "sem o seu trabalho, o homem não tem honra e sem a sua honra se rouba, se mata". Neste âmbito, chamo a atenção dos respeitáveis colegas para dimensão macroeconômica dos direitos humanos e a relevância de um bom governo na promoção e proteção da dignidade da pessoa humana. Distribuição de sacolões, roupas e visita a comunidades carentes não são ações capazes de atacar a causa fundamental da questão da violação dos direitos humanos, são na verdade medidas paliativas, ineficazes e incipientes. Se deve denunciar em alto e bom som a flagrante omissão do Estado na promoção do desenvolvimento econômico e de políticas públicas que protejam e promovam uma vida digna aos cidadãos mediante o controle da inflação e disponibilização de vagas de emprego em consequência do fortalecimento do mercado.
A advocacia, historicamente, sempre foi a vanguarda intelectual da sociedade, a exemplo de Rui Barbosa. Todavia, nos tempos presentes, a pretexto do famigerado apartidarismo, tem se omitido em promover a defesa da democracia, da sociedade. Cavalheiros, a sociedade está sem defesa, desarmada e à mercê do arbítrio!
Estes fatos me fazem lembrar a célebre história do advogado Marco Túlio Cícero, que no senado romano, na defesa da república, acusou Lúcio Sérgio Catilina de conspirar contra a república dizendo: “quousque tandem, Catilina, abutere patientia mostra” que em tradução livre significa “até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência?”. Vejo que nos tempos atuais se faz necessário a advocacia bradar em uníssono aos líderes de então “até quando abusarão de nossa paciência?” Até quando seremos o estado mais pobre da Federação? Até quando suportaremos a omissão do estado e a normalização da violação dos direitos fundamentais? Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência?
A sociedade necessita de defesa, algo precisa ser feito sob pena da derrocada da república e retorno à barbárie! Unamo-nos!
Denes da Costa Freitas, é advogado e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/AC
Comments