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Foto do escritorMaria do Socorro Rodrigues

A Lei Maria da Penha - 15 anos de avanço

Atualizado: 6 de jul. de 2022

As estatísticas sobre a violência doméstica e familiar em altos índices poderiam representar que não houve avanços nestes 15 anos de existência da Lei Maria da Penha, desde quando o nosso País, condenado pela Comissão de Direitos Humanos da Corte Interamericana de Direitos Humanos em 2002, entre outras condenações, a implementar lei de proteção integral às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar.


A igualdade entre os sexos não é premissa nova, na Constituição Federal de 1934 já havia esse comando, sendo reproduzido na Constituição Federal de 1988, o que significa dizer que o Estado brasileiro demorou sobremaneira a implementar a lei que busca essa igualdade.


A relação de igualdade de gênero está diretamente ligada à violência de gênero quando as pesquisas apontam que os Países com maior igualdade de gênero, a violência contra a mulher também é menor.


E desse modo, também podemos dizer que a violência doméstica e familiar representa um entrave à evolução dos direitos das mulheres. Podemos também dizer dos reflexos sociais criados pela violência nos lares e o caráter transgeracional da violência aos filhos.


Falar dos direitos alcançados pelas mulheres, se faz necessário entender que sendo o Brasil signatário de Tratados Internacionais como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW); a Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher; a Convenção de Belém do Pará; e o Pacto de San José da Costa Rica, entre outros, prepondera, no conflito de normas, a aplicabilidade da norma que protege a mulher.


No entanto, olvidam o texto constitucional, prevalecendo os direitos individuais quando os direitos das mulheres como direitos humanos não podem ser violados.


Mas o esforço da farmacêutica Maria da Penha não foi em vão.


Valseando os 15 anos, a Lei Maria da Penha, referência mundial, replicada em outros Países, e uma das três melhores legislações do mundo, tem amadurecido, apesar das inúmeras divergências esposadas em diversos julgados, tanto do ponto de vista material como processual.


Essa divergência encontra consonância no seio da sociedade que se perde em brincadeiras jocosas, demonstrando o machismo estrutural enraizado que atribui à existência da Lei o controverso sentimento de posse sobre o corpo da mulher, a ponto de tirar-lhe a vida, situação tão aceitável pela sociedade.


São pensamentos que se revelam em frases tipo “em briga e marido e mulher não se mete a colher” que produzem mortes, ladeado ainda do pensamento que a mulher gosta de apanhar. Ledo engano.


As pesquisas apontam que a situação de violência que a mulher se submete decorre do amedrontamento pela falta de independência financeira, do temor de vingança do marido e da ausência de proteção aos filhos. Alia-se ainda a falta de estrutura estatal para o acolhimento da mulher que denuncia a violência.


Constitui o feminicídio, avanço direto da Lei Maria da Penha, o ápice dessa violência do qual nosso País recebe a menção vergonhosa de figurar em 5º lugar. E o nosso Estado figura também na liderança dessa vergonhosa realidade.


No entanto, se faz importante reconhecer os avanços que derivam da Lei como se percebe em decisões judiciais que levam em conta o recorte de gênero, e de ser uma das Leis mais comentadas pela população, como dito, com comportamentos que comprovam que apesar dos avanços ainda há muito a avançar.


Nessa esteira, o CNJ assume papel relevante quando mantem em sua pauta o programa Justiça pela Paz em Casa, seguido pelo sistema de Justiça representado pelo Judiciário, Defensoria Pública e Ministério Público com papel importante quando reconhece a necessidade de ferramentas para reduzir a violência contra a mulher.


A implementação pelo Tribunal de Justiça de uma coordenadoria de combate à violência doméstica e familiar concentra todo o esforço do sistema de justiça e de entidades representativas que pensam e lidam com a problemática, e ainda conta com pessoas anônimas que somam esforços nessa causa.


O assunto recebe o reforço quando a Lei Maria da Penha passa a integrar a grade curricular do ensino básico (Lei 14.164/2021), e a instituição da Semana Escolar de Combate à violência contra a mulher nas instituições públicas e privadas, medida que atrai a reflexão desde a infância.


Aliás, falar sobre a violência doméstica é importante, conforme reconhecido por Nadime Gasman, representante da ONU Mulheres no Brasil, que tem que o primeiro passo para enfrentar a violência doméstica é falar sobre ela.


Desse modo, ao procurarmos entender que a lei Maria da Penha tem caráter mais preventivo que punitivo e que nela se concentram aspectos penais e cíveis, podemos melhor entender suas especificidades como ser uma lei excepcional nos termos do art. 3º do Código Penal, decorrendo daí a busca pela sua aplicabilidade e pela educação do povo afim que um dia ela não seja mais necessária dado que sua existência decorre da flagrante desigualdade de gênero existente no País onde 4,4 mulheres a cada 100mil mulheres sofre violência.


Os avanços na concessão do principal instrumento – as Medidas Protetivas de Urgência - dada a peculiaridade, e sobre elas o Judiciário tem evoluído em decisões concedendo-as a fim de proteger a mulher, que não havendo ali a formação de culpa, as decisões têm efetivado a verdadeira proteção à mulher. Anteriormente a última alteração pela Lei nº 13.984/ 2020, o encaminhamento dos homens aos grupos de reflexão que abordam temáticas que objetivam a redução da violência contra a mulher, já era uma realidade.


Os mais recentes avanços da lei vêm tornar mais eficaz a aplicabilidade, tal como prevista na Lei 13.505/2017, cuja alteração vem assegurar a mulher vítima de violência que os atos processuais cíveis ou criminais, conte com a presença obrigatória da Advogada para evitar a vitimização secundária, além do atendimento preferencialmente por policial, perito do sexo feminino e ainda a ausência de contato com testemunhas, investigados ou suspeitos do cometimento do crime.


No ano de 2018, duas consideráveis alterações. A Lei 13.641/2018 alterou o art. 24-A tipificando o crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência; e em dezembro do mesmo ano, a alteração introduzida pela Lei nº 13.772 veio reconhecer que a violação da intimidade da mulher configura violência doméstica e familiar e para criminalizar o registro não autorizado de conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado.


No ano de 2019, a Lei teve mais alterações, com importantes inovações, que podemos enumerá-las pelas Leis nº 13.827/2019, 13.894, 13.871, 13.882, 13.880 e 13.882. Estas alterações se referem a aplicação de medida protetiva de urgência pela autoridade judicial ou policial e a determinação do registro da medida protetiva de urgência em banco de dados mantido pelo CNJ, encaminhamento da vítima à assistência judiciária e a atribuição aos Delegados de Polícia da informação dos direitos conferidos e os serviços à vítima, e ainda o prazo de 48 horas para as decisões judiciais sobre medida protetiva de urgência requerida pela vítima.


Tratou também do ressarcimento ao Estado pelos gastos relativos ao atendimento da vítima através do Sistema Único de Saúde (SUS), e a sanção ao agressor de ressarcir os gastos estatais da utilização dos dispositivos de segurança destinados ao uso de monitoramento das vítimas de violência doméstica ou familiar amparadas por medidas protetivas.


Essas alterações também beneficiaram os filhos de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar no aspecto escolar conferindo prioridade para matricular os dependentes em instituição de educação básica mais próxima de seu domicílio, ou transferi-los para instituições mais próximas.


A apreensão da arma de fogo, objeto do crime, e ainda atendeu os casos de vítima com deficiência com obrigatoriedade do registro dessa peculiaridade no boletim de ocorrência.


Reverbera a preocupação dos operadores do direito e ainda de parte da população que dão à lei sua exata compreensão e importância de ser um grande instrumento de pacificação social.


A evolução da Lei também fez surgir outras leis que convergem na proteção das mulheres, exemplificando a lei vinda da famosa atriz Carolina Dieckmann, a Lei do Minuto Seguinte, e a Lei Joana Maranhão.


Cada vez mais protegendo mulheres, no âmbito do direito administrativo, o Estado também protege as mulheres como ocorre no caso de remoção de servidoras públicas que são vítimas, quando o Estatuto do Servidores Públicos não contempla tal previsão, no entanto, a Lei Maria da Penha avançou em questões dessa natureza conforme art. 9º, §2º, I.


Mais recentemente, o STF deu importante contribuição, de forma indireta, quando julgou inconstitucional o uso da tese da legítima defesa da honra no julgamento do tribunal do Júri, ou seja, quando se mata por amor se comete feminicídio. E o stalking que embora não se limite a vitimar mulheres, mas se reconhece ser recorrente no âmbito de violência doméstica e familiar.


Consideráveis avanços quando as decisões reconhecem a incidência da lei em casos que os autores da agressão são diversos do homem e de reconhecimento da desnecessidade de compartilhamento do mesmo teto. Todavia, a vítima deve obedecer a previsão do parágrafo único do art. 5º, que tem que as relações pessoais enunciadas na Lei independem de orientação sexual.


Contudo, estas alterações não exaurem as necessidades que a problemática exige e os estudiosos aguardam pesquisas que apontem pela redução dos casos de violência. E, aos operadores do direito resta a coragem para enfrentar as questões que envolvem a aplicação da lei e a crescente situação de inúmeras mulheres, acometidas pela violência, às vezes silenciosa, mas que muitas vezes lhes retiram a vida.


E diante de tanto avanço, a educação cria consciência de igualdade e quem sabe um dia possamos ser um País como a Islândia.


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