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Foto do escritorPâmela Ferreira da Silva

A ineficácia da execução de alimentos pelo rito da prisão durante a pandemia do COVID-19

Atualizado: 6 de jul. de 2022

Antes de adentrar ao conteúdo do presente texto, cumpre ressaltar que a inspiração para escrevê-lo ocorreu após vivenciar a problemática em um caso concreto, o qual é possível ser narrado resumidamente da seguinte forma.


Condenado a pagar alimentos ao filho, no importe de 20% de seus rendimentos, o genitor estava há meses realizando o pagamento em um percentual inferior ao determinado judicialmente, razão pela qual o menor, representado por sua mãe, promoveu ação de execução de alimentos pelos dois ritos possíveis: o da prisão, correspondente aos últimos três meses inadimplidos, e o da penhora, correspondente aos demais meses anteriores não pagos.


Considerando o tema estudado, a narrativa limitar-se-á ao caso da ação de execução pelo rito da prisão.


No caso em concreto, após ajuizada ação de execução, o magistrado, em obediência ao que determina o art. 528 do Código de Processo Civil, determinou a intimação do executado para, no prazo de três dias, efetuar o pagamento dos valores executados, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de realizá-los.


Ocorre que, devidamente intimado, o executado não pagou e não justificou plausivelmente o porquê de não o fazer, motivo pelo qual o exequente requereu que fosse decretada a prisão civil do devedor, a ser cumprida em regime fechado, com o objetivo de demonstrar a coercitividade da medida e ao final ver o seu crédito satisfeito.


O pedido de decretação da prisão além de encontrar amparo na lei, também se justifica em razão do alto grau de coercitividade desta medida, isto é, sabe-se que muitos genitores somente pagam seus débitos quando ameaçados da privação de sua liberdade, fato este que é, inclusive, reconhecido pela jurisprudência e doutrina, conforme assevera os autores Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho:


A prisão civil decorrente de inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentar, em face da importância do interesse em tela (subsistência do alimentando), é, em nosso entendimento, medida das mais salutares, pois a experiência nos mostra que boa parte dos réus só cumpre a sua obrigação quando ameaçada pela ordem de prisão. (STOLZE; PAMPLONA FILHO, 2020, p. 2.105)


Retornando ao caso concreto, após o pedido de decretação da prisão civil formulado pelo credor, o Ministério Público foi intimado para apresentar parecer, visto que a ação envolvia interesse de incapaz. O parecer do Ministério Público foi favorável ao reconhecimento da inadimplência do devedor, inclusive, afirmando que no caso dos autos o genitor estava sujeito à prisão civil.


Ocorre que, em que pese o Ministério Público tenha reconhecido ser o caso de prisão civil, em seu parecer o promotor requereu, com base na Recomendação nº 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça, para surpresa do credor, a suspensão da tramitação do processo por motivo de força maior pelo período em que durasse a pandemia da Covid-19, argumentando que a prisão domiciliar não possuía o efeito coercitivo necessário para fazer o devedor adimplir a obrigação.


Perceba toda a incoerência desta manifestação. Primeiramente, a Recomendação nº 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça aconselha que as prisões civis dos devedores de alimentos não sejam mais cumpridas em regime fechado dentro de penitenciárias, mas sim que os magistrados considerem colocar os executados em prisão domiciliar. Veja a redação da recomendação:


Art. 6º. Recomendar aos magistrados com competência cível que considerem a colocação em prisão domiciliar das pessoas presas por dívida alimentícia, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus. (BRASIL, 2020).


Portanto, no caso em concreto, se o Ministério Público desejava seguir a Recomendação do CNJ, que ele requeresse a prisão domiciliar do genitor inadimplente e não somente a suspensão do feito, prejudicando ainda mais o alimentando, que além de não receber seus alimentos e ter que cobrá-los judicialmente, ainda terá sua ação sobrestada por tempo indeterminado, considerando que não há previsão de quando terminará a pandemia do covid-19.


Ademais, caso o Parquet entenda que a prisão em regime domiciliar não é dotada de coercitividade o suficiente para coagir o devedor a pagar os alimentos – entendimento este ao qual também nos filiamos, ressalvados algumas situações especiais –, que ele novamente requeira outra medida diversa da suspensão do processo, visto que interromper a continuidade da ação não beneficiará ninguém mais além do próprio devedor.


Cumpre destacar que o entendimento de que a prisão domiciliar não obterá resultados satisfatórios na maioria dos casos de execução de pensão alimentícia, vem do fato de que muitas pessoas já estão em suas casas em razão da pandemia, uma vez que as autoridades governamentais competentes decretaram várias medidas com o objetivo de conter o avanço da transmissão do vírus, e entre as principais medidas estão o isolamento social e a quarentena.


Nesse sentido, o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Ricardo Villas Bôas Cueva, no julgamento do Habeas Corpus nº 586.898, asseverou que "não é plausível substituir o encarceramento pelo confinamento social – o que, aliás, já é a realidade da maioria da população, isolada no momento em prol do bem-estar de toda a coletividade". (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2020, online).

Faz-se necessário ressaltar também que a ineficácia da prisão domiciliar não é uma regra aplicável a todos os casos, pois podem existir situações em que o cumprimento da prisão civil em regime domiciliar seja suficientemente coercitivo ao ponto de incentivar o devedor a cumprir com suas obrigações, a exemplo das hipóteses em que o trabalho do executado dependa de deslocamento.


O caso em concreto aqui narrado é uma das hipóteses em que a prisão domiciliar alcançaria a coercitividade necessária ao cumprimento da obrigação alimentar, posto que o genitor trabalha como vendedor externo e a decretação da prisão limitaria a sua liberdade de locomoção.


Em seguimento ao processo, após a manifestação das partes e do parquet, o magistrado entendeu por bem apenas suspender o decreto de prisão civil e dar continuidade aos autos através de outras medidas, como a inclusão do nome do executado junto aos órgãos de proteção ao crédito e a suspensão da sua Carteira Nacional de Habilitação, esta última, por sua vez, poderia alcançar a coercitividade que se procura, já que o devedor necessita dela para o exercício de suas funções laborais.


Importa destacar que esta deliberação do juízo de piso em suspender a decretação da prisão civil é apenas um reflexo das posições tomadas pelos Tribunais Superiores, os quais têm entendido pela impossibilidade do encarceramento do devedor de alimentos, em razão do seu direito de não ter a vida exposta ao vírus dentro de presídios superlotados, conforme é possível observar na recente (30/03/2021) decisão da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça[1].


Ocorre que, a partir do momento em que a prisão civil oriunda do inadimplemento de uma obrigação alimentar não pode mais ser decretada em razão da pandemia atualmente vivenciada, toda a execução pelo rito da prisão perde sua essência e principal objeto, que é o mandado de prisão em regime fechado, perdendo também, portanto, toda a coercitividade da melhor medida existente na busca pela satisfação da obrigação.


O resultado desta realidade é necessidade de reinvenção de todos os envolvidos, tanto as partes precisam se reinventar utilizando-se da criatividade para pleitear medidas executivas que possam alcançar a satisfação de seus direitos, quanto o próprio Poder Judiciário precisa se reinventar para entregar da melhor forma possível a tutela do direito pleiteado ao jurisdicionado.




Pâmela Ferreira da Silva é graduada em Direito pelo Centro Universitário Uninorte e em Comunicação Social com habilitação em jornalismo pela UFAC, pós-graduada em Ciências Criminais pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva, técnica em segurança do trabalho, advogada contratada do escritório Bezerra, Cardoso e Marques Advogados Associados. Atua nas áreas cível, trabalhista e criminal.
E-mail: pamelamirlaf@gmail.com

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BRASIL. Recomendação nº 62, de 17 de março de 2020. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/03/62-Recomenda%C3%A7%C3%A3o.pdf. Acesso em: 01 mar. 2021.


STOLZE, Pablo; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de direito civil – volume único. 4 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.


SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Mesmo com fim do impedimento legal, ainda não é possível prisão fechada para devedor de alimentos. Superior Tribunal de Justiça, 2020. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/30032021-Mesmo-com-fim-do-impedimento-legal--ainda-nao-e-possivel-prisao-fechada-para-devedor-de-alimentos.aspx. Acesso em: 01 abr. 2021.


SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Terceira Turma nega regime domiciliar, mas suspende prisão de devedor de alimentos durante a pandemia. Superior Tribunal de Justiça, 2020. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/Terceira-Turma-nega-regime-domiciliar--mas-suspende-prisao-de-devedor-de-alimentos-durante-a-pandemia.aspx. Acesso em: 03 mar. 2021.

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