A saúde financeira do Estado Brasileiro é fator primordial para a boa condução de sua economia uma vez que, sem o investimento do Estado, seja em forma de aplicação direta ou por meio de incentivos e parcerias à iniciativa privada, os fenômenos de produção, circulação e distribuição de riquezas e bens materiais ocorrem com menor intensidade, impactando diretamente em todas as áreas que influenciam no bem-estar social.
Noutra senda, cabe às normas do Direito Financeiro, o exame da atividade do Estado de forma que o poder público arrecade os recursos necessários para a boa prestação dos serviços públicos, garantindo o cumprimento dos direitos fundamentais da pessoa humana instituídos pela Constituição Federal, tais como: saúde, educação, segurança, previdência, seguridade social.
Observado o dever do Estado em garantir os direitos fundamentais e, sabendo que é necessário ter uma economia em movimento e produzindo riquezas econômicas, é necessário estabelecer a relação de dependência entre as crises e o dinheiro disponível, visto que esta relação tem sido um traço marcante nas explicações das crises financeiras e, na maioria das vezes, a crise financeira é materializada pela escassez de dinheiro, ou melhor, pela falta de recursos necessários para garantir a execução do sistema de proteção social já mencionado.
A Constituição Federal Brasileira, entre outras características, é uma constituição dirigente, visto que estabelece diretrizes para o alcance de determinadas metas, pois impõe limites de gastos obrigatórios ao determinar, por exemplo, a aplicação incondicional de determinado percentual da receita resultante de impostos com a manutenção e desenvolvimento do ensino (limite de gasto com educação) e nas ações e serviços públicos de saúde (limite de gasto com saúde).
O art. 212 da Constituição Federal estabelece os limites de gasto com a manutenção e desenvolvimento do ensino para todos os entes federativos, ou seja, através deste dispositivo, a União aplicará na educação, anualmente, 18% de todas as receitas resultante de impostos e os Estados, Distrito Federal e os Municípios aplicarão, cada, 25%, na mesma área.
Por outro lado, o art. 198, da Constituição Federal combinado com o art. 77, ADCT, da mesma Carta, estabelecem os limites de gasto com as ações e serviços públicos de saúde para todos os entes federativos, ou seja, através destes dispositivos, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios ficam obrigados a aplicar na saúde, anualmente, o montante correspondente ao valor empenhado no exercício financeiro anterior acrescido de, no mínimo, à variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB). Já os Estados e Distrito Federal aplicarão nesta rubrica 12% e os Municípios 15%. Essa disposição é ratificada pela Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012.
Estabelecido pelo art. 19 da Lei de Responsabilidade Fiscal, o índice de gasto com pessoal é o percentual da Despesa Total com Pessoal em relação ao montante da Receita Corrente Líquida (RCL). Este índice está vinculado a um limite de gasto de forma que não ultrapasse o percentual de 50% para a União e de 60% no caso dos Estados e Municípios.
Em letras simples, deve-se entender que, do total disponível arrecadado que compõe a Receita Corrente Líquida da União, por exemplo, a Lei de Reponsabilidade Fiscal permite que se gaste até a metade (50%) do valor com pagamento de pessoal. Essa realidade é um pouco pior em relação aos Estados, Distrito Federal e Municípios, pois podem gastar 60% de toda a Receita Corrente Líquida com pagamento de sua folha de pagamento.
A Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece ainda, alguns limites de endividamento, que são regulamentados pelo art. 3º da Resolução nº 40/2001, do Senado Federal, assim, os entes governamentais não poderão exceder, no caso dos Estados e Distrito Federal a 2 vezes a receita corrente líquida e, no caso dos Municípios, a 1,2 vezes sobre a mesma base.
Dessa forma, é possível ao Estado, por exemplo, assumir dívidas até o limite de duas vezes do somatório das receitas tributárias, de contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências correntes e outras receitas também correntes, deduzidos, principalmente, os valores transferidos, por determinação constitucional ou legal, aos Municípios. Significa dizer que, fazendo uma comparação a um orçamento doméstico, os pais podem se endividar até o dobro do que recebem ao longo do ano, deduzidos o valor da mesada dos filhos!
Como dito, a escassez de recursos que tem provocado as últimas crises financeiras brasileiras se fundamenta, ora por uma elevação súbita da despesa, ora pela insuficiência na arrecadação das receitas. Exemplo disso, em 2018, o Estado do Acre tinha em torno de 6.5 bilhões de reais em recursos disponíveis e, após a execução da despesa, observando-se os limites constitucionais e legais já apresentados, restaram aproximadamente 930 milhões, que certamente foram aplicados em todas as demais áreas da necessidade estatal, como por exemplo, segurança, urbanização, manutenção da máquina administrativa, cultura, habitação, entre outros.
Em relação à saúde, considerando que a receita resultante de impostos do Estado do Acre foi de R$ 4.522.395.392,41 e o total das despesas nesta área foi de R$ 648.744.765,6 (diferente do valor demonstrado acima pois a folha de pessoal da saúde também entra no cômputo), sabendo-se que o art. 198, §2º, da CRFB/88 c/c o art. 77, ADCT, estabelece o limite mínimo de 12%, o Acre atingiu 14,35%, gastando mais do que o previsto na Carta Magna para tal tipo de despesa.
No que diz respeito ao gasto com educação, cujo art. 212 da Constituição estabelece o limite mínimo de 25%, considerando que o total das despesas com educação foi de R$ 1.120.147.948,98, o Estado do Acre alcançou o percentual de 24,77%, inferior ao limite constitucional.
Quanto à despesa de pessoal, cujo art. 19 da LRF estabelece o limite máximo de 60%, cabendo apenas ao Poder Executivo Estadual a fração de 49%, sabendo que a Receita Corrente Líquida do Estado do Acre foi de R$ 4.846.051.636,63 e a Despesa total com pessoal foi de R$ 2.326.733.547,37, apura-se que o Estado atingiu o percentual de 48,01% em gasto.
Afim de estabelecer uma visão clara e simplificar as coisas, considerando o montante de recurso total disponível como parâmetro para se aferir um percentual de gasto em base única, elaboramos a seguinte tabela.
Observa-se, pois, que do volume total de recursos disponíveis, após cumprimento dos dispositivos legais, apenas 24,53% estão, de fato, desvinculados e disponíveis para a execução de despesas em outras áreas, tornando a maior parte dos recursos públicos vinculados a determinado gasto.
É a vinculação estática dos recursos que provocam escassez nas mais diversas áreas da necessidade social.
Concluindo, em relação ao Estado Brasileiro, não há o que se falar em escassez ou insuficiência de recursos, o que deve ser então observado é que os recursos estão vinculados a determinada qualidade de gasto, não tendo o gestor público muita discricionariedade sobre eles, de forma que, resta pouco recurso para estimular a economia, promover investimentos, aplicar em segurança, infraestrutura, urbanização, assistência social, manutenção da máquina administrativa, obras, entre outros.
Dessa forma, sem o investimento do Estado, seja em forma de aplicação direta ou por meio de incentivos e parcerias à iniciativa privada, os fenômenos de produção, circulação e distribuição de riquezas e bens materiais ocorrem com menor intensidade, surgindo o cenário perfeito para a ocorrência de uma crise, fazendo com que, os dispositivos apontados atuem como fatores influenciadores para formação deste cenário.
No fim, percebeu-se que as regras de direito financeiro obrigam a administração pública a manter determinados gastos, comprometendo grande parte de seus recursos, não dando margem a qualquer tipo de decisão diferente do que determina a lei, provocando cenários de crises econômicas. Assim, percebe-se que a crise financeira vivida não se materializa pela escassez das receitas públicas, é, portanto, a vinculação estática dos recursos que provocam escassez nas mais diversas áreas da necessidade social.
Contudo, é preciso recordar que estamos falando de normas criadas pelo Poder Legislativo há mais de 20 anos, carecendo, por óbvio, de reforma, visto que a sociedade, seus problemas e anseios já não são mais os mesmos.
Jaime Fontes Vasconcelos é advogado. Possui formação em Ciências Contábeis e Sistemas de Informação. Especialista em Direito Administrativo e Gestão Pública. Auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado do Acre, Controlador Interno (2014 – 2016) e Diretor Administrativo e Financeiro (2017 – 2018) na mesma instituição. Diretor de Gestão da Secretaria Municipal de Infraestrutura e Mobilidade Urbana – SEINFRA (2020). E-mail: jaime.fontes@advvasconcelos.com.br.
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