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Foto do escritorDanilo Scramin Alves

A complexidade do Direito Processual na graduação em Direito

Atualizado: 6 de jul. de 2022

Um dos primeiros desafios enfrentados durante a graduação em direito são as chamadas disciplinas processuais, iniciadas, em regra, durante o primeiro semestre ou no máximo o primeiro semestre do segundo ano do curso, com a disciplina de Teoria Geral do Processo, muitas vezes chamada também de Teoria do Processo e da Jurisdição.


Esse desafio normalmente se estende até o fim do curso, considerando que muitos cursos de direito optam por deixar disciplinas como direito processual constitucional e direito processual tributário no último semestre da graduação.

Nesse ínterim, os graduandos são submetidos a disciplinas como o Direito Processual Civil, com quatro ou cinco cadeiras semestrais, o Direito Processual Penal, com três ou quatro cadeiras, e o Direito Processual do Trabalho, infelizmente limitado a um semestre na maioria das vezes.


Durante meus anos como professor de graduação, em especial da disciplina de Direito Processual do Trabalho, optei por sempre iniciar o semestre reforçando aos alunos a razão pela qual é possível colocar as disciplinas de direito processual como as mais complexas do curso. A bem da verdade, são as disciplinas mais “ingratas” da graduação em direito.


O processo ao qual o direito processual faz referência, geralmente é relacionado imediatamente com “os processos” na ideia de ações judiciais, pode (ou talvez deva) ser semanticamente compreendido como “procedimento”, “rito”, “ritualística”, no sentido de indicar o passo-a-passo por meio da qual as demandas judiciais serão submetidas quando a lide (isto é, o conflito) for levado ao Poder Judiciário. Diante da minha formação em gastronomia, muitas vezes faço o paralelo com “receitas”.


Assim sendo, quando se fala em Direito Processual Civil, fala-se sumariamente nos procedimentos aos quais são submetidos os conflitos civis quando são levados aos Tribunais de Justiça ou aos Tribunais Regionais Federais, enquanto o Direito Processual Penal trata do procedimento das ações penais e criminais colocadas aos mesmos órgãos. No mesmo sentido, o Direito Processual do Trabalho estabelece o procedimento das reclamações e ações trabalhistas levadas à Justiça do Trabalho.


A ideia é que, por exemplo, o Direito Processual do Trabalho para compreender como uma ação funcionará a partir da petição inicial da reclamação trabalhista. Será por meio desse ramo que serão respondidas perguntas como: A petição inicial foi produzida da forma correta, com todos os elementos necessários? Uma vez aceita a petição inicial, o que a Justiça do Trabalho fará? As perguntas poderiam ser continuamente formuladas com a expressão “e em seguida” até a conclusão definitiva da ação.


Obviamente a percepção do direito processual como um procedimento, uma série de passos seriados e logicamente concatenados é simplista e pode levar a pessoa a erroneamente crer que esses ramos do direito são fáceis e diretos, sem muitas complexidades. Também não se deve crer que o direito processual simplesmente fala das ações em si, como se essas regras tratassem tão somente da petição inicial à sentença, dos recursos à execução.


A verdade é que o direito processual está presente mesmo antes da propositura da ação, devendo ser compreendido e respeitado a partir de sua teoria geral e dos princípios constitucionais, gerais e específicos aplicáveis.


O direito processual está presente mesmo antes da propositura da ação.

Não só a parte autora (na maioria das vezes, o seu advogado) precisa conhecer os elementos que compõem uma petição inicial e como ela deve ser apresentada ao judiciário, mas uma série de fatores devem ser compreendidos e atendidos antes mesmo da propositura, como regras de competência (material, territorial, funcional...), direitos e deveres das partes (inclusive quanto às despesas processuais, comumente), litisconsórcio (ou seja, a multiplicidade de pessoas em um dos polos da ação), dentre outros.


Além disso, muitas vezes a petição inicial nem mesmo segue a sua ideia mais simples, de expor os fatos, conectá-los ao ordenamento jurídico e fazer os pedidos. Existe ainda a possibilidade de tutelas provisórias e incidentes que abrem ramos (as vezes, verdadeiras árvores) que podem se desenvolver paralelamente ao andamento “comum” do processo, ou podem limitar ou até suspender a ação de seguir enquanto não forem resolvidos.


Deve-se observar, porém, que não apenas na petição inicial que se observa a ocorrência desses desvios processuais, mas durante toda a ação, seja na fase de conhecimento, recursal ou de cumprimento da sentença. São elementos que podem ou não ocorrer durante a ação, cabendo o dever de observá-los às partes e seus advogados, em conjunto com o juiz da causa.


Ou seja, a “receita” proposta pelo direito processual muitas vezes envolve ingredientes que precisam ser preparados anteriormente, deve ser desenvolvida por pessoas específicas, em panelas e fogões que sejam previamente definidos para que o “prato” sentença resultante seja aquele que se espera. E assim como na gastronomia, raramente o direito processual aceita “gambiarras”. Usar monster parts quase sempre resultará em dubious food.


Existe outro problema que deve ser observado em relação a alguns ramos do direito processual, e que é uma fragilidade não compartilhada pelo Direito Processual Civil: alguns ramos processuais são baseados em leis extremamente antigas e defasadas. A lei base do Direito Processual Penal, o Código de Processo Penal – CPP é de 1941, e ainda que parte de seus artigos tenham sido renovados, a base da norma ainda tem quase 80 anos.


A situação do Direito Processual do Trabalho nesse aspecto é ainda pior. A principal lei processual trabalhista, a Consolidação das Leis do Trabalho é de 1943, e seus artigos que tratam de matéria processual, do art. 643 ao 910, nos últimos 20 anos, tiveram apenas duas atualizações expressivas: a Lei n.º 13.015/2014 atualizou os recursos no Tribunal Superior do Trabalho e a Lei nº 13.467/2017, conhecida como Reforma Trabalhista, que reformou muito o direito material e pouco o direito processual.


Obviamente há leis esparsas que complementam o funcionamento desses ramos processuais. Mas, apesar do auxílio que prestam, não há como negar que a falta de concentração das regras procedimentais representa um aumento na complexidade do ramo jurídico.


A desatualização das normas processuais contribui para uma série de complexidades além da falta de concentração. As formas que o próprio direito encontra e desenvolve para suprir essa fragilidade normalmente aumentam o enredamento do ramo.


O Código de Processo Civil, por exemplo, estabelece em seu art. 15 que será aplicado, de forma supletiva e subsidiária, em outros ramos processuais, como o eleitoral, o trabalhista e o administrativo.


Além disso, como bem aponta o art. 769 da CLT, essa aplicação subsidiária ocorrerá quando houver omissão, que pode ser normativa (ou seja, falta de norma própria), ontológica (desatualização das normas existentes) ou axiológica (normas que existem trariam efeitos injustos e indesejáveis), e compatibilidade da norma subsidiária com o sistema composto pelas normas e pelos princípios de direito processual trabalhista.


A ocorrência ou não da compatibilidade ou da omissão (além da própria discussão de referentes sobre a possibilidade de tipos de omissão representada pelas vertentes restritiva e ampliativa) fica a cargo dos magistrados, que podem ou não seguir a visão dos estudiosos do direito. Assim, consolidam-se a jurisprudência e a doutrina como fontes do direito processual do trabalho.


O resultado de todos esses fatores implica necessariamente em um aumento da complexidade do direito processual, exacerbada para além da multitude de atos, fatos, termos, questões processuais em razão da desatualização normativa, da possibilidade/necessidade de empréstimos de outros ramos processuais e da utilização da jurisprudência e da doutrina em constante reformulação.


Essa complexidade pode ser sentida até pelos profissionais mais experientes. Às vezes, a desatenção na condução (ou até na propositura) da ação pode trazer efeitos imediatos e irreversíveis, como nos casos de preclusão, perempção e prescrição. O desconhecimento das regras, então, é juridicamente fatal.


É por esse motivo que a inexperiência pode ser um dos (senão o) maiores empecilhos à boa prática processual e ao bom funcionamento das ações, o que quase sempre resulta em um resultado indesejável, que não resolve a lide de forma justa ou de forma satisfatória.


Não diferente da gastronomia também é o fato de que o direito processual é muito mais bem compreendido quando posto em prática, e não é completamente equivocado vislumbrar que, a cada ação proposta e acompanhada, melhor será o resultado.


Então, se a inexperiência dos profissionais já pode ser significativamente impeditiva para a compreensão e manuseio do direito processual, o que esperar dos estudantes ainda na graduação? É dessa compreensão que parte a designação da característica da “ingratidão” das cadeiras de direito processual nos cursos de graduação. São ingratos pois exigem que os alunos pensem como advogados (e as vezes como magistrados, membros do Ministério Público ou até procuradores da administração pública), coisa que serão apenas anos após, para que tenha um aproveitamento teórico suficiente para ensejar uma atuação prática mais funcional e menos propensa a erros.


Isso jamais pode significar que os professores das disciplinas de direito processual devem ser mais “flexíveis” ou “compreensíveis” com os alunos, ou ainda pior, que devem “facilitar” nas avaliações. Muito o contrário: devem instigá-los, exigir empenho e compromisso, pois somente com o estudo atento e individual é que os graduandos compreenderão verdadeiramente a teoria dos ramos de direito processual. Além disso, são disciplinas essenciais, cuja compreensão deve ser exigida sempre, da forma mais integral e correta possível.


A forma concreta de se superar essa complexidade é o estudo constante.

A capacidade de visualização e projeção prática do direito processual facilita, por vezes, a vida do aluno, mas o contato direto com a prática é ainda mais facilitador, e aí mora a razão pela qual as disciplinas de prática são essenciais e devem ser centradas muito mais nos aspectos processuais do que no direito material.


É por essa razão que alunos que têm a oportunidade de realizar estágio, especialmente em escritórios de advocacia e nos tribunais, durante a graduação têm um pouco mais de facilidade nas disciplinas processuais, visto que em geral têm contato com ações, portanto, a “receita” do processo fica um pouco menos abstrata.


Porém, cabe (é imperativo!) o alerta de que o estágio como normalmente funciona significa o apoio da atividade advocatícia ou judicante, isto é, sofre um direcionamento e uma orientação. Similar ao fato de que cozinhar sozinho ensina muito mais do que ajudar alguém na cozinha, fazer o processo ensina muito mais do que apoiar alguém que o movimenta.


Alerta similar, mas talvez com a necessidade de uma maior incisividade, é cabível aos chamados “prepostos profissionais”, pessoas cuja profissão é representar empresas, em especiais as de médio e grande porte, em audiência. Além do fato de que essas pessoas em geral participam apenas das audiências, elas ficam na maioria das vezes num ciclo contínuo de ações similares, que raramente sofrem com questões diferentes das regulares. Ademais, a informação que é levada ao preposto passa pelo juiz, pelo Ministério Público e pelo advogado, chegando-lhe, portanto, significativamente “mastigada”.


Além disso, a prática é simplória e as vezes pouco inteligente sob o ponto de vista da teoria. Especialmente nos casos em que o ramo específico do direito processual seja baseado em normas antigas, a prática pode sofrer ajustes caso a caso, e esses ajustes, que inclusive podem ser mais frequentes do que a própria regra, desaguando no costume como fonte, afastam a pessoa que têm prática da teoria, que é necessariamente o foco das disciplinas na graduação.


Ou seja, as experiências dos estágios e dos prepostos são válidas, mas devem ter a humildade de reconhecer que não apenas não são (nem de perto) completas, como também podem representar verdadeiros bloqueios à real e correta compreensão da teoria.


O resultado é: de fato as disciplinas processuais são complexas na graduação em direito, e a forma concreta de se superar essa complexidade é, inegavelmente, o estudo constante, atento e com afinco. É uma missão árdua, mas necessária e valiosa para quem optou pelo direito como carreira.


Danilo Scramin é doutorando em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí/UNIVALI, em regime de cotutela, com dupla titulação (Dottore in Giurisprudenza) junto à Università degli Studi di Perugia, Itália. Mestre em Direito pela Universidade de Marília/UNIMAR. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera, em Direito do Consumidor e em Ensino da Língua Inglesa pela UniBF e em Gastronomia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Professor do curso de Direito do Centro Universitário Uninorte de Rio Branco/AC. Analista Processual do Ministério Público do Estado do Acre. E-mail: daniloscramina@hotmail.com.

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